Kennedy: Ascensão e queda das potências e das grandes famílias
- Valdemir Pires
- 29 de mar.
- 4 min de leitura

Paul Michael Kennedy (1945-) é um historiador britânico (não americano, como qualquer um poderia supor), professor da Universidade de Yale, nos EUA, especializado em relações internacionais. Em 1987 ele escreveu um alentado best-seller (com tradução para vinte idiomas, inclusive português do Brasil) chamado Ascensão e queda das grandes potências, no qual profetizava:
(...) haverá uma transferência, tanto nas parcelas de produção mundial total como dos dispêndios militares totais, das cinco maiores concentrações de força para muitas outras nações; mas será gradual, e nenhum outro estado tem possibilidade de ingressar na atual “pentarquia” constituída pelos Estados Unidos, U.R.S.S., China, Japão e CEE, em futuro próximo.
(...) o equilíbrio produtivo global entre esses cinco já começou a pender em certas direções: afastando-se da Rússia e dos Estados Unidos, e também da CEE, e em favor do Japão e da China. (p. 510-11 da edição da Campus, Rio de Janeiro, 1989)
A tese central da obra é a de que (considerando-se os 500 anos que antecedem as décadas finais do século XX) superpotências econômicas perdem esta condição paulatinamente, na medida em que passam a sustentar gastos militares crescentes, mundo afora, que se tornam excessivos em comparação com seu poderio econômico.
II
No Brasil, supostamente em 1968 (não há data na publicação, mas este ano foi anotado abaixo do nome do anterior proprietário – Vital Pires – do volume que li) circulou uma brochura atribuída à Editôra Laudes chamada O desafio da América Latina. É a tradução de um conjunto de discursos do senador americano Robert (Bob) Francis Kennedy (1925-1968) para o português, feita por Alvaro Valle (político liberal – PDC (1962-1965), ARENA (1966-1979), PDS (1980-1985), PFL (1985), PL (1985-2000), falecido em 2000, autor de uma antologia de provérbios chamada À noite todos os gatos são pardos).
A leitura deste volume remete a um tempo de triste memória para os brasileiros, com desdobramentos ainda não de todo compreendidos, muito menos resolvidos, no que tange à participação política de militares na política nacional (vide os episódios recentes, não completamente finalizados, envolvendo a família Bolsonaro e alguns homens da caserna).
Robert Kennedy andou por países da América Latina em 1966 e passou a defender enfaticamente, sem trégua, ajuda americana à subregião, sob o guarda-chuva da famosa Aliança para o Progresso, braço do governo dos EUA nas ações anticomunistas de então, escudo ao sul contra a Revolução Cubana, no contexto da Guerra Fria. A compilação de seus discursos dá corpo teórico-ideológico a uma doutrina que poderia ser traduzida em “balas de coco para evitar balas de chumbo” – conquistar com mel para não ter que combater com fel. Nesta doutrina, os Estados Unidos tiveram que engolir sapos e cuspir rosas, resultando afirmativas como estas, acerca do Brasil:
Os militares conseguiram do Congresso a eleição do General Humberto Castelo Branco para Presidente, com um governo de tecnocratas de grande capacidade, de engenheiros e de economistas. E centenas das principais figuras políticas do Brasil foram presas ou proibidas de ingressar na política.
(...)
Que espécie de balanço podemos concluir do governo do Presidente Castelo Branco?
(...)
Em suma, deu consideráveis passos para a frente e consideráveis passos para trás. Em um balanço, parece bem melhor do que o governo precedente, mas ainda ficou longe da democracia constitucional, o objetivo estatuído, desejado pela maioria dos brasileiros, e que era, eu acredito, também o desejo do Presidente Castelo Branco. (p. 136-138)
Segue-se uma tomada de posição para a continuidade da relação americana com o Brasil:
Tem havido sugestões no sentido de que cortemos a ajuda ao Brasil. Creio que essas sugestões não são boas.
(...)
Tudo isso não significa, no enanto, que os Estados Unidos devam aceitar sem críticas golpes militares ou governos não-democráticos, e muito menos nos devemos tornar identificados com eles. Ao invés disso devemos tornar claro nosso apego por progresso e por reformas. (p. 139)
“Tutela cautelosa e interesseira (tanto quanto possível bem disfarçada quanto a este último adjetivo) sobre países pobres e democracias frágeis, logo ali no nosso quintal, suscetíveis de debandar para o lado esquerdo”, em tradução livre do inglês americano para o português brasileiro. Mas, queira-se ou não, postura de estadista, lidando inteligentemente com questões de seu tempo, ao contrário do que revelam as atitudes de Trump, com seus tarifaços ao comércio exterior e seu menosprezo diplomático difuso. Assim como seu irmão John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), 35º. presidente americano de 1961 a 1963, Robert foi assassinado.
III
O filho do senador Bob Kennedy, Robert F. Kennedy Jr. (1954-), é, hoje, o secretário de Saúde e Serviços Humanos do governo Trump. Advogado, militante anti-vacina durante a pandemia da Covid-19. Defensor de causas ambientais (com as quais deve ter ganho muito dinheiro, impondo derrotas a grandes empresas), este senhor de 71 anos de idade talvez acalente um mundo futuro em que as florestas e animais selvagens se perpetuem, gozando de boa atmosfera e água pura, enquanto os seres humanos são dizimados por doenças totalmente evitáveis pela adoção dos avanços científicos que representam as inoculações preventivas. Está lidando – sem que muito se possa esperar – com uma área de política pública, a de saúde, frente à qual, atualmente, muitos cidadãos americanos, atingidos por doenças ou acidentes, preferem evitar socorro para não se tornarem endividados para o resto da vida. Ponto, nada mais de relevante a dizer.
IV
A tese é fraca, ancorada em insuficiente empiria, mas o apelo é irresistível: à ascensão e queda de uma potência corresponde a ascensão e queda das grandes famílias cujos nomes, na ascensão, dignificam a potência e, na descida, a envergonham.
Uma comparação também é convidativa: entre os Kennedy houve/há de tudo: um que tentou subir escadas enquanto as fabricava; outro que despenca ladeira abaixo, servil e deslumbrado sob liderança ignóbil; e um terceiro que só observa, meio de longe (sem perder totalmente a fleuma inglesa).
Nunca se duvide: à noite, todos os gatos são pardos; de manhã, os gatos vermelhos são perseguidos, para se descobrir, à tarde, que de fato são amarelos.
Análise instigante sobre o declínio de potências e famílias influentes, conectando Kennedy, geopolítica e diplomacia americana. O autor considera possível uma renovação da influência americana global?[Font Generator Page]