top of page

Globalização e neoliberalismo desmascarados


Imagem: Wix
Imagem: Wix

Limites da reinvenção do governo: insuficiências do neoliberalismo?: este o título de um artigo que apresentei na China (Macau, especificamente, às vésperas da retirada de Portugal daquela reminiscência da colonização lusitana na Ásia), durante o III Encontro de Economistas de Língua Portuguesa (28 a 30 de junho de 1998), sendo minhas despesas patrocinadas pela extinta Universidade Metodista de Piracicaba - Unimep. O texto completo foi publicado nos anais do evento na seção 2: Política Econômica. Economia Pública e Social.

 

Meu argumento era, então, o de que a tese, em voga, da “reinvenção do governo”, carecia de bases teóricas, constituindo-se em simples defesa ideológica da redução do papel do Estado em favor das forças de mercado livres e desimpedidas, às expensas das possibilidades da política na definição das condições de vida e dos relacionamentos entre os indivíduos. Tratava-se de uma tese na contramão, ranheta, mesmo, da aparente inexorabilidade da globalização (de que Hong Kong, vizinha prima rica de Macau,  era exemplo alardeado, no final dos anos 1990).

 

E o que se verifica hoje, com a volta de Trump à Presidência dos Estados Unidos? A confirmação de que frente a um Estado poderoso:

 

1.     Quando convém, a política comanda, sem esconder as mãos (às favas a tal da “mão invisível” do mercado), o que mais conta nas relações de troca mercantis, entre indivíduos e entre nações.

 

2.     A globalização avança ou recua ao sabor não do livre funcionamento das forças de mercado (livre comércio), mas da tolerância ou intolerância a elas, conforme recomendem as conveniências dos governos que têm suficiente forças para empurrá-las nesta ou naquela direção (livre mercado ou imposição de restrições às trocas praticadas ultrapassando fronteiras nacionais).

 

Bastou o neoliberalismo e globalização, como práticas, passarem a favorecer a China (com sua produtividade, logística e capacidade negocial imbatíveis), e não mais os Estados Unidos, para que as leituras/interpretações da economia industrial e das trocas econômicas/financeiras entre nações baseadas nessas lógicas, entrassem em crise.

 

O neoliberalismo e a globalização são irrefutavelmente nocauteados quando, teatralmente, Trump difunde sua imagem ostentando cópias ampliadas de decretos com sua assinatura suspendendo práticas de livre mercado e, recentemente, uma mal elaborada tabela de tarifas aduaneiras impostas aos seus parceiros comerciais, sob argumento de retaliação a comportamento predatório destes. O presidente estadunidense aparece, nessas ocasiões, como a “mão visível” de um governo musculoso (que não deixou de sê-lo durante a relativamente longa vaga neoliberal-globalizante), diante de seus iguais menos bem nutridos. Por sua vez, reagem os governos prejudicados, alguns em bloco (como a União Europeia), em defesa de seus mercados – ou seja, deixados por si, sós, os mercados colapsam. Será que desta vez aprenderemos? Será que é preciso mais do que isso para que os adeptos do recuo da política em favor da economia, como condição para atingir melhores níveis de bem-estar social, não é uma escolha estruturalmente viável? Será que a experiência chinesa bem-sucedida (aliás causa fundamental do mau humor e do destempero trumpiano/americano) de uma espécie de keynesianismo de longo prazo (em que pese o keynesianismo ser uma teoria para lidar com o curto prazo) não é, ainda, suficiente, para abandonar, para sempre, a falsa ideia de que a solução para o desenvolvimento econômico com alguma possibilidade de colocar arreios na concentração da riqueza em pouquíssima mãos encontra-se a meio caminho: nem tanto Estado, nem tanto mercado; nem tanto política, nem tanto economia?

 

Há momentos, na História (e haverá no futuro) em que o mercado é(será) a solução (não sem a ajuda do Estado); e há momentos, na História (e haverá no futuro), em que a salvação (não sem ajuda do mercado) é(será) o Estado. Poder e riqueza nunca deixaram de se dar as mãos no trajeto pedregoso trilhado pelas diferentes sociedades que existiram/existem/existirão: quando um desses lados fraqueja, o outro toma a dianteira, com perdas e ganhos distribuídos sempre a favor dos mais fortes (economicamente, politicamente ou econômica e politicamente).

 

Deixemos para um tempo que sei foi, portanto, aquele outrora charmoso fundamentalismo de mercado. Para frente é que se anda, mas sabendo desacelerar ou recuar quando se percebe que é sábio fazê-lo.

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page