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Gestão orçamentária entre fiscalistas e provisionistas

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 1 de mai.
  • 4 min de leitura
Imagem: Wix
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Há duas grandes correntes de pensamento econômico acerca da gestão orçamentária, separadas por uma vasta fenda ideológica: a fiscalista (aqui também denominada microequilibrista) e a que, aqui, será chamada de socioprovisionista (que, no contraponto com a fiscalista, é macroequilibrista).

 

A corrente fiscalista/microequilibrista é a que persegue um equilíbrio contábil/microeconômico das contas públicas, considerando o Estado, tecnicamente, como se fosse um agente econômico individual (consumidor, família, empresa). Político-ideologicamente, por tomar o mercado (sistema de preços livres, ao sabor da oferta e da procura) como único mecanismo capaz de gerar eficiência econômica e justiça distributiva (não manipulada por interesses empoderados), esta corrente praticamente demoniza o Estado, defendendo sua minimização e atacando todo e qualquer desequilíbrio das finanças públicas.

 

A corrente oposta, socioprovisionista/macroequilibrista, não desconsidera a necessidade de equilíbrio, nem do mercado nem das finanças públicas, mas o considera de um ponto de vista keynesiano, ou seja, macroeconômico. Para ela, o equilíbrio que interessa tem duas características que o diferenciam daquele preconizado pela outra vertente: primeiro, trata-se de um equilíbrio do todo e não das partes isoladamente consideradas; segundo, deve ser tomado do ponto de vista intertemporal, ou seja, desequilíbrios podem acontecer (como historicamente têm acontecido), sem prejuízos ao processo econômico, desde que sejam retomados de um momento a outro.

 

A mentalidade fiscalista/microequilibrista, ao contrário da sua antípoda, entende que a recomendação keynesiana (de fato afirmativa retórica, para impactar o debate) de que, diante da recessão (um evidente desequilíbrio macroeconômico sem solução microeconômica possível) o governo pode/deve até contratar homens para cavar valetas de manhã, pagando-os também para tapá-las à tarde, essa recomendação é inadmissível, par não dizer inconcebível. Embora venha sendo esta a recomendação seguida sempre que recessão e desemprego afetam as economias nacionais, desde os anos 1930.

 

Quando se gere o orçamento público na perspectiva progressista, ou seja, visando o máximo bem-estar social a partir do manejo das contas públicas, geralmente com um efeito redistributivista, está-se adotando um modo de administrar as finanças públicas que combina perfeitamente com a visão keynesiana/macroequilibrista da teoria econômica, na qual o Estado pode, sim, assumir um papel provedor de bens e serviços para promover o máximo bem-estar social, pois o mercado nem sempre conduz a este estado de coisas, por falhar em muitas situações (o que os fiscalistas/microequilbristas negam peremptoriamente). Eis o fundamento básico do confronto ideológico entre as duas correntes, no tocante à economia. No tocante ao social, enquanto os fiscalistas são adeptos do “ensine a pescar”, os provisionistas preferem aceitar que mesmo sendo bons pescadores, muitos indivíduos não terão acesso à refeição quando o rio “baixa demais” – e ele baixa e sobe, dada a sua própria natureza, que tem a ver com a natureza da moeda.

 

Ao fim e ao cabo, na condução concreta, quotidiana do orçamento público, os fiscalistas são os manejadores da tesoura; e os provisionistas, os franqueadores benevolentes aos estoques coletivos. É claro que, mantido o orçamento público nas mãos de uma vertente, sem possibilidade de intervenção da outra, os resultados podem ser piores do que os obtidos até hoje, com eles se enfrentando uns aos outros, ganhando ora uns, ora outros. Porque há momentos em que a receita a seguir precisa ser a da contenção dos déficits e dívidas públicos; e há momentos em que se pode/deve lançar mão de déficits e endividamento para melhorar a situação econômica do conjunto da sociedade.

 

Os indivíduos e os partidos situados ou tendentes à esquerda no espectro político, buscando adequar seu programa/discurso social/progressista quando no governo, irão sempre (se seus atores forem coerentes) pesar a mão na alavanca que abre os cofres públicos, encontrando, um obstáculo para que, via tributação (em geral progressiva, recaindo sobre ao mais ricos), eles sejam suficientemente realimentados. Os progressistas têm uma forte propensão a desconsiderar, em suas práticas orçamentárias, a capacidade produtiva total da economia, lastreada num dado grau de produtividade (baixo, médio ou alto), como o ponto a partir do qual precisam “fechar o cofre”. Por isso, podem, efetivamente, praticar uma política econômica que pensam ser keynesiana, quando na verdade trata-se de uma gestão macroeconômica apenas equivocada: esquecem que a receita de Keynes implica pisar ora no acelerador, ora no freio do veículo que se chama mercado, com base em critérios técnicos indispensáveis.

 

Não é possível manter políticas sociais, sustentadas pelo orçamento público constantemente desequilibrado e consequentes dívidas públicas crescentes bancadas com títulos vendidos no sistema financeiro mediante elevadas taxas de juros, quando a economia nacional não gera suficiente volume de riqueza para bancar a despesa pública total (via impostos e títulos do tesouro) praticada, sem frustrar a remuneração dos fatores produtivos pertencentes aos agentes microeconômicos: empreendedores, trabalhadores, especuladores que atuam nos mercados de capitais, de trabalho e de bens e serviços.

 

Na busca de equilíbrio econômico (tecnicamente indispensável) condizente com justiça social (ética e moralmente desejável), numa perspectiva progressista (à esquerda do espectro político), o orçamento público deve ser manejado com esforço para equilibrar, entre si, as lógicas mercantil (defendida pelos fiscalistas/microequilibristas) e estatal (acalentada pelos provisionistas/macroequilibristas). Por mais desconfortável que isso possa parecer para cada uma das duas correntes teórico-ideológicas em confronto, parece muito claro que, no sistema capitalista, sob regime democrático, a predominância completa de uma delas leva a um modo de condução da vida produtiva e social que não será mais capitalismo/mercado, tal como historicamente configurado, nem existirá Estado/governos à semelhança aos que foram construídos até aqui.

 

Eis que todo aquele/a que maneja, nos diversos setores da administração pública, dotações orçamentárias (em quaisquer das fases por que elas tramitam), lida com aspectos teórico-técnicos e político-ideológicos indissociáveis entre si, dos quais não pode se livrar. Eis, pois, que não existe agente público suficientemente esclarecido se este não se dá conta de ser o seu papel na sociedade intrinsecamente ligado ao papel necessariamente desempenhado pelo Estado na economia, com reflexos nas condições de vida de toda a sociedade. Portanto, todo agente governamental precisa ter consciência de sua condição de ator tecnopolítico. Isso deveria ficar muito claro para todo egresso de cursos que propiciam a formação desses agentes/atores. Isso deveria ser um aspecto fundamental no processo de avaliação (concursos) para ingresso nos cargos públicos.

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