Perceber a diferença que há entre os aspectos orçamentário e financeiro na gestão do dinheiro público dos municípios, como tanto já se disse, é fundamental. Esta clareza é como o alicerce para a sustentação de uma parede: sem ela não há gestão orçamentária e financeira digna deste nome, em lugar algum.
Enquanto a gestão financeira, tanto no setor público como no privado, lida com o fluxo de caixa e com o impacto dele sobre a capacidade de agir/produzir e sobre o resultado patrimonial, a gestão orçamentária, mormente no setor público, maneja as autorizações para gastar (gastar uma receita que, inicialmente, é apenas estimada).
As técnicas de gestão de fluxo de caixa são já muito conhecidas, estando disponíveis em qualquer manual de finanças. Ao passo que as metodologias para lidar com as mencionadas autorizações para gastar (legislativas, no caso), nas prefeituras, tem recebido pouca atenção.
O mais elementar a respeito das dotações orçamentárias (as tais autorizações legislativas para gastar), em termos de gestão quotidiana, é que devem ser tratadas de modo muito semelhante ao fluxo de caixa, ou seja, como se fossem dinheiro, elas precisam estar disponíveis quando é necessário gastar ou realizar pagamentos. Sem um controle sistemático do fluxo de dotações orçamentárias (considerando as iniciais, as anulações e os créditos adicionais ou acréscimos), o que costuma acontecer é muita confusão e correria no momento em que um gasto precisaria ser feito e, mesmo havendo dinheiro, não pode ocorrer porque não está previsto no orçamento.
Então, o que, concretamente, deve ser feito, é um verdadeiro fluxo de caixa permanente, em que os movimentos de entrada e saída, resultando em saldos diários, semanais e mensais, são, em vez de dinheiro, dotações, autorizações legislativas para gastar. Assim, quando se perceber que vai faltar dotação em determinada rubrica, logo se providenciará nova “provisão”, por meio de créditos adicionais, utilizando os suplementares quando permitidos e remetendo projeto de lei à Câmara de Vereadores quando se tratar de créditos especiais ou, muito raramente, de créditos extraordinários.
Assim como o fluxo de caixa (fluxo de dinheiro), também o fluxo de dotações orçamentárias (fluxo de autorizações para gasto) pode ser organizado por meio de uma simples planilha. No caso da planilha das dotações, os valores de entrada serão as autorizações iniciais (presentes no orçamento aprovado pelos vereadores no final do ano anterior) e os créditos adicionais de todos os tipos, enquanto os valores de saída serão os gastos empenhados (alguns deles podendo ser anulados, caso não sejam liquidados e não precisam vir a ser) e as anulações de gastos feitas para dar sustento a créditos adicionais.
Os sistemas de gestão orçamentária de fato já registram esse tipo de movimentação, constando os saldos nos relatórios periódicos que emitem. Entretanto eles não planejam, apenas oferecem informações resultantes, ex-post. A análise ex-ante, o planejamento, precisa ser feito paralelamente ao sistema, caso este não ofereça esta possibilidade. Daí a indicação da planilha.
A planilha do fluxo de dotações não precisa contemplar todas as dotações, uma a uma, mas sim as globais e as mais exigentes de acompanhamento, de modo que estas estejam sempre sendo monitoradas, a fim de que venham a ser travadas pela insuficiência futura. Por exemplo, a dotação global despesa com pessoal. Se percebe-se em setembro que o saldo da sua dotação não será suficiente para fazer frente às despesas da folha de pagamento até o final do ano, será necessário um esforço para rearranjar o orçamento de modo a sanar este problema. Se, todavia, um acompanhamento fino permite detectar o potencial problema já em julho, constatando-se a esta altura uma certa possibilidade de “excesso de arrecadação”, pode-se já utilizar uma parte dessa fonte para ir, aos poucos, sem correrias e sobressaltos, sanando o problema.
No lugar do planejamento do fluxo de dotações, o mais comum é encontrar municípios que lidam com as autorizações legislativas para gastar ao sabor de urgências: num belo dia, “descobre-se” que uma dotação precisará chegar a um montante que é o dobro da que existe na lei orçamentária – e dá-lhe correria para encontrar recurso para justificá-la e para convencer os vereadores de que devem aprovar o projeto de lei autorizando-a; resolvido, com muito stress, este problema, outro igualzinho aparece na semana seguinte, e na próxima quinzena e mês – gestão orçamentária a trancos e barrancos: um dia a casa cai.
Registre-se, por fim, considerando o âmbito legal: má gestão orçamentária é até mais grave que má gestão financeira, embora não pareça. Ademais, se uma é o cavalo, a outra é a carroça: as duas peças precisam funcionar adequadamente para que cumpram suas finalidades.
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