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Estilos de vida: vitrines e catálogos

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • há 6 dias
  • 4 min de leitura

Imagem: Wix
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O modo de produção mercantil (seja ele capitalista – com maior ou menor grau de regulação – ou algo como o “socialismo de mercado” chinês) viabiliza cinco modos de vida típicos (super-rico ou bilionário, rico, classe média, pobre e miserável) e estes abrigam várias possibilidades de estilos de vida.

 

Um estilo de vida é um modelo que inspira o jeito de viver concreto de um indivíduo, influenciando (profunda ou superficialmente) a visão que tem do mundo e de si, seu comportamento, suas atitudes, os traços que marcam seus relacionamentos com os outros, suas decisões, suas ações.

 

Raríssimos são (se é que existem) os indivíduos aos quais não é possível atribuir um estilo de vida preexistente ao seu. Mesmo no caso daqueles que “inventam” novos estilos de vida, não o fazem com total independência da vitrine e do catálogo de estilos ao qual ele acrescenta novo item. Esse novo item acaba por carregar elementos de estilos anteriores, acrescentando-lhe ou retirando-lhe algo. Isso porque por mais autêntico e inovador que alguém possa ser, o estará sendo em inevitável interação como os demais. A vitrine e o catálogo sempre pesam, seja muito ou seja pouco.

 

A principal vitrine de estilos de vida é a cidade; o mais detalhado catálogo é aquele oferecido pela literatura e, mais recentemente, pelo cinema e pela televisão (sucessores tecnológicos do teatro). Na primeira, vivem materialmente os seres humanos; na segunda se movimentam os personagens: tipos “inventados” a partir da cidade, que, por um lado, se inspiram na vida real e, por outro, a inspiram. Com o advento da publicidade e da propaganda, a serviço do mercado, cidade (vitrine) e literatura/teatro/cinema/TV (catálogos, a que podem ser acrescidos o rádio e aparatos da internet) oferecem estilos para vender mercadorias que ajudam a compô-los concretamente. O que significa que todo jeito de viver traz em si fragmentos de estilos de vida adotados ao sabor das compras que o indivíduo realiza no mercado, em geral influenciado pela propaganda veiculado nas mais diversas mídias. Ninguém, portanto, numa realidade mercantil, é o que inventou ser, mas uma combinação de estereótipos oferecidos aqui e ali, na vitrine e nos catálogos em que consistem a cidade e as formas culturais/artísticas.

 

A vitrine e os catálogos de estilos de vida contêm um número finito, embora muito extenso, de possibilidades, variando (e combinando-se entre si) conforme os aspectos postural, relacional e modelar.

 

É difícil esgotar a lista de tipos (tendentes a duplas de opostos) de estilos de vida. Relacionalmente, um estilo de vida pode ser introvertido ou extrovertido, altruísta ou egoísta, humilde ou prepotente, discreto ou ostensivo etc. Posturalmente, pode ser encaixado (integrado ao sistema/regime, satisfeita ou resignadamente), desencaixado (podendo manifestar-se como bandido ou revolucionário, conforme queira arrancar o seu quinhão à força, à revelia do sistema/regime, ou mudar o sistema/regime para que todos possam ter o seu), flutuante (observador de cima ou indiferente) ou submerso (anulado pelas circunstâncias). Modelarmente falando, os perfis existenciais imediatamente visíveis na vitrine e nos catálogos, variam com o “caminhar” da História. Alguns deles, entretanto, têm quase uma invariabilidade no tempo, por expressarem situações que se repetem com leves variações nos diferentes modos de produção historicamente verificados, como, por exemplo os estilos do sacerdote/monge, do guerreiro/militar, do líder/político, do pensador/intelectual, do artista e do desportista, por serem estilos básicos encontrados ao longo de toda a aventura humana, desde os primórdios até, provavelmente, o fim dos tempos, pois se relacionam a fazeres definidores da condição humana. Mais ou menos em torno, e dinâmica e combinatoriamente, desses estilos básicos, giram os estilos que podem ser chamados de profissionais, que configuram as escolhas possíveis frente à inexorável questão: “O que você quer ser quando crescer?”, refeita mais tarde assim: “Você está sendo o que deseja ser?” ou, com o furacão de mudanças contemporâneos: “Está sendo possível continuar sendo o que você, querendo ou não, quis ser e está sendo, para sobreviver?”. As profundas diferenças entre os estilos de vida de um médico e de um pedreiro, de uma atriz e de uma empregada doméstica, de um(a) astronauta e de um(a) condutor(a) de táxi de aplicativo ilustram o quanto escolha profissional e estilo de vida estão diretamente relacionados, ao mesmo tempo em que indicam a relação entre estilos de vida e modos de vida.

 

Os estilos de vida manifestam-se em diversos âmbitos da existência concreta dos indivíduos na cidade (entendida esta não como a área urbana, mas como o todo que articula funcionalmente a área urbana e a rural num único mercado). Estes âmbitos são, sem pretensão de esgotá-los: o do morar (estilos urbanísticos, paisagísticos e arquitetônicos), o do locomover-se, o do vestir-se e adornar-se (moda, em termos de vestuário, joalheria, perfumaria, fitness), o do alimentar-se (nutrição, culinária, gastronomia), o do lazer/entretenimento, o da socialização (espaços públicos, bares, clubes etc.) etc.

Os estilos de vida estão diretamente relacionados a mentalidades (modos de ver) focadas em valores, desejos (mais do que em necessidades), tabus etc. presentes na cultura prevalecente, emergente ou “proibida”, convivendo entre si harmônica ou conflituosamente, agitando mais ou agitando menos a cidade, conforme sejam os momentos de mudanças ou de acomodações entre os agentes/atores que encarnam os modos de vida.

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