A educação é um pilar da civilização, inventado no decorrer do próprio processo civilizatório; educação é quase um sinônimo de civilização. E as escolas são, não faz muito tempo (do ponto de vista histórico), as instituições responsáveis pela manutenção e aprofundamento do modo civilizado de ser, não à toa sendo compulsória a matrícula em uma delas, desde e até certa idade, obrigando-se os governos a manter sistemas educacionais públicos, geralmente complementados por entidades privadas sob regulamentação.
Uma das características essenciais da civilização é, sem margem a dúvidas, a capacidade de, na impossibilidade de eliminar, reduzir a violência entre os indivíduos, grupos (famílias, tribos etc.), comunidades e países, de modo que, no extremo, a diplomacia substitui a guerra como forma de solução de conflitos entre nações, o diálogo e a mediação colocando-se como opção preferível à truculência em todas as situações que coloquem pessoas, organizações e instituições umas contra as outras.
Assim, entre o substantivo escola e o adjetivo militar há uma potencial contradição, a não ser no caso de escolas em que se ensine a arte da guerra (necessária, como meio, mas não como fim). Aos meninos e meninas e aos jovens, o que se deve ensinar, para que ingressem preparados na vida civilizada, é a viver bem em comunidade (em paz e harmonia, público e privado se complementando), contribuindo cada um, por sua vez, para que assim seja; recebendo da geração anterior essa condição de vida e transmitindo-a para o futuro. Quanto a assuntos militares, atinentes à necessidade de defesa nacional, devem ser tratados, numa abordagem cívico-militar, no serviço militar obrigatório; e podem ser estudados, com o devido cuidado, em disciplinas específicas ou abordagem transversal, nos currículos escolares.
Esta percepção é global, estando implícita nos quatro pilares da educação, resumidos em 2010 no relatório Educação: um tesouro a descobrir, da UNESCO. São eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Não se deve educar crianças e jovens para aprender a conhecer do modo como aprende um soldado; não se deve educar crianças e jovens para aprender a fazer o que faz um homem em campo de batalha; não se deve educar crianças e jovens para aprender a conviver em permanente combate; não se dever educar crianças e jovens para vida na caserna. O coração, como o de São José da Costa Rica (da música) deve ser civil. Se em alguns momentos específicos há necessidade de se comportar militarmente, isso é acidental ao homem civilizado, ao contrário do que foi para o selvagem. Educar para a paz é fundamental.
Inclusive a disciplina, na escola, jamais dever ser militar, pois a disciplina militar implica primordialmente obediência e isolamento da possiblidade de questionar a autoridade: o contrário do que se exige a quem deve ser capaz de pensar para vir a ser – vá lá! – inovador e empreendedor (enviesados motes atuais das políticas educacionais).
Assim, ao contrário de escolas cívico-militares, o que se faz necessário são escola crítico-militantes em busca de disseminação, entre crianças e jovens, dos mencionados pilares da educação do século XXI. Pilares muito bem pensados, porque abarcam aspectos constitutivos do ser humano desejado para o futuro: capaz de aprender incessantemente tudo que for possível e não apenas disciplinas consideradas pragmaticamente úteis, para isso dominando métodos sofisticados proporcionados por alta tecnologia; capaz de aplicar à vida aquilo que aprende, buscando melhorar o mundo e a convivência intra e inter espécies, de modo sustentável e digno – o que implica aprender a conviver; capaz de levar uma vida em que ser é uma construção que combina a edificação da própria personalidade, em interação respeitosa e colaborativa com as demais individualidades, tanto semelhantes como diferentes – ser capaz de viver de maneira crítico-militante, mirando o aspecto cívico-militar da vida no seu devido lugar e com o necessário cuidado, sem tomá-lo como central.
Isso tudo sem entrar em considerações sobre a educação no pensamento do centenário Edgar Morin, para quem o que se deve é educar para “uma ética da compreensão planetária”; para quem "A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel." E, antes que um esperto malandro mal intencionado diga que ele esquece que é preciso educar para que cada indivíduo possa adquirir habilidades que lhe assegurem a sobrevivência no mercado competitivo, há que se lembrar que o filósofo não desconsidera este aspecto (o que seria estupidez e não filosofia), enquanto que os tais espertos malandros mal intencionados que lhe torcem o nariz se esquecem, esses sim, aquilo que Morin defende, propondo estupidamente que a educação se limite a prepar para “a vida como ela é”, como se ela fosse e devesse continuar sendo mera sobrevivência sem possibilidades de sonhar, sem direito a qualquer utopia.
Façamos a troca: em vez de escolas cívico-militares, escolas crítico-militantes. Para seguir no milênio em curso com a certeza de não abandonar os esforços civilizatórios que nos trouxeram até aqui, com todas as imperfeições com que ainda temos que lidar, aí incluída a incapacidade de viver em paz, hoje tão ameaçada em todo o mundo.
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