A exemplo do que anteriormente começou a acontecer nas corporações empresariais, as administrações públicas municipais (depois das estaduais e federal), embora mais tímida e lentamente, estão, agora, preocupando-se em assegurar educação continuada e específica a seus colaboradores. Nas empresas há tempos são criadas as “universidades corporativas”, e nas prefeituras, ultimamente, as chamadas “escolas de governo”. Todas as organizações e instituições terão que se tornar auto-aprendentes no futuro, que já está em curso, cada vez mais acelerado (para bem e para mal). Por isso surgem esses novos instrumentos de manejo do conhecimento, do know-how e da expertise embebidos nos coletivos humanos organizados com destino a fins, públicos ou privados.
As empresas (não todas, e por isso existem assimetrias, que dão e tiram vantagens competitivas) incorporam a inovação nas suas rotinas, por meio desses processos de auto-aprendizagem: a teoria econômica, desde Schumpeter, mostrou o novo caminho e consolidou o lucro como motivação. Mas as organizações públicas são mais lentas, seus sistemas e processos respondem de modo menos imediato aos impulsos da inovação – não raro se movem mais sob risco de ingovernabilidade (quebra da relação entre governantes e governados) do que em busca de maior governança (melhoria das relações intra-organizacionais para ampliar a capacidade de atingir metas e objetivos).
Sempre sob o risco de estar respondendo a impulsos de “modinhas”, tanto universidades corporativas como escolas de governo podem morrer com a mesma facilidade com que nascem, às vezes sem sequer deixar lembrança. Para que isso não aconteça, precisam nascer da real necessidade de melhorar o desempenho organizacional; e prosseguir sem destruir o clima organizacional sob o qual indivíduos decidem e agem coletivamente.
A ideia de conhecimento e habilidades técnicas como base da emancipação humana e da conquista de um reino de abundância, via aumento da produtividade, trouxe consigo o louvor à meritocracia (esta platônica figura de que o que sabe mais deve poder mais e também mais se beneficiar dos resultados, por contribuir diferenciadamente) e a valorização dos espaços, sistema e processos de aquisição de conhecimento, geralmente formais (e portanto certificadores). Por isso, tornou-se lugar-comum a progressão em carreiras, mais públicas do que privadas, com base em certificados e cursos. A distorção, evidentemente, dada a maior dificuldade para medir desempenho, vem sendo maior no setor público.
Da meritocracia à tecnocracia, apenas um passo: os que dominam as técnicas vão ganhando legitimidade às expensas de outros conhecimentos que não os produtivos, os imediatamente úteis, os que oferecem maiores vantagens. Os planejadores tornam-se gurus dos fazeres (individuais e organizacionais) que se pretendem eficazes (com base em determinados valores, geralmente mercantis).
Uma escola de governo cujo sentido seja colonizado pela meritocracia não pode prosperar na direção de melhorar a administração pública: ela reforça a falsa ideia de que o melhor servidor público é o mais competitivo, o mais “diplomado”, o mais dotado de conhecimentos e habilidades (em termos de volume e especialização), e não o mais preparado para, dado o conjunto de conhecimentos e habilidades coletivos, contribuir para que o melhor (e não o perfeito) seja produzido e realizado organizacionalmente, ao passo que vai contribuindo para que esse fazer vá se aperfeiçoando ao longo do tempo, de modo compartilhado. É no fortalecimento dos elos e no rompimento dos nós que compõem o todo, potencializando o movimento organizacional na direção de seus objetivos e metas, que deve se concentrar o esforço formativo de uma escola de governo.
Portanto, suas iniciativas (cursos, workshops, palestras, vivências, dinâmicas, treinamentos etc.) devem contemplar aspectos não só operacionais, mas também gerenciais e comportamentais, com foco na solução dos problemas sociais, públicos, coletivos, dos mais para os menos imediatos, a fim de que acúmulos anteriores facilitem os posteriores.
Ao invés de tecnocratas que ostentam méritos (tantas vezes como forma de se distinguir socialmente), a escola de governo deve gerar bons artífices e bons condutores de processos decisórios, com foco nos resultados sociais a serem atingidos respeitando-se a lógica democrática e o ethos republicano. Em outras palavras, servidores públicos conscientes de seu papel de meios para busca do bem-estar social e da convivência pacífica e colaborativa entre diferentes, para isso manejando a coisa pública sob sua responsabilidade direta.
Planejadores, articuladores, realizadores, atuantes nos aparelhos de Estado, com seus trabalhos concatenados, sob comando da vontade coletiva trazida a lume pelo processo eleitoral, permanentemente envolvidos na capacitação para melhor compreender, gerir e realizar as tarefas e gerar os produtos (bens e serviços públicos) de que a cidade necessita para servir aos que nela habitam – eis a utopia do serviço público-tipo a nortear o que pode ser uma boa escola de governo municipal. Qual o mérito a ser reconhecido no servidor público, a partir dessa percepção? Que tipo de burocrata (no sentido positivo da palavra) e de agente/servidor público deve ser valorizado a partir dela? Que papel deve ter uma escola de governo na busca dessa utopia? Em que fazeres deve se envolver? Como a formação, a capacitação, os treinamentos (certificados) por ela oferecidos devem servir de incentivos, pecuniários e de outra natureza, permeando estruturas de cargos e planos de carreiras e salários?
Questões que, juntamente com diagnósticos dialogados da situação inicial a transformar, a inovar, devem ser bem e respeitosamente respondidas por todos que pretendem construir escolas de governos municipais que vão além de uma caixinha no organograma, cheias de boas intenções e, não raro, decepcionantes resultados.
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