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Foto do escritorValdemir Pires

Economia da atenção: pobre escritor, pobre literatura!


Conversava com um grande amigo, também professor, dia desses. Também ele projeto de escritor, muito superior a mim, não só neste quesito. Falávamos de sua obra literária recém-concluída e inédita, que tive a oportunidade de ler: alentadas trezentas e poucas páginas, escritas, revistas e melhoradas ao longo de uma década, em solidão, aproveitando intervalos entre numerosas atividades acadêmicas e tantos afazeres familiares, de marido e pai profundamente responsável.

 

Não foi uma conversa leve, por mais que nos puséssemos a rir de nós mesmos. Toda obra literária é, acima de tudo, uma dúvida, uma aguda dúvida, principalmente aquelas de estreantes. Depois de dez anos de trabalho duro, significa o escrito alguma coisa, possui algum valor, é capaz de fisgar e manter a atenção e o interesse de alguém? Não se pode saber antes da recepção ou recusa dos leitores, por mais que o autor confie na própria pena – e os sinceros consigo mesmos nunca acreditam plenamente.

 

E para que haja leitores, é preciso publicar. Coisa que nunca foi fácil, mas que hoje em dia parece impossível, pelo menos no formato tradicional, de livro físico previamente avaliado e aceito por uma editora de verdade, não por gráficas viabilizadoras de autopublicação.

 

O que se passa, hoje em dia, é que a maioria das editoras não assume compromisso com uma obra, mas com indivíduos portadores de atenção prévia. Se alguém já tem fama literária, possuidor ou não de qualidades, não precisa procurar quem o publique, é buscado para sê-lo. Constituem estes as exceções que confirmam a regra. Se alguém, entre os comuns, conseguiu um certo volume de seguidores em alguma rede social, tem potencial de venda e chance de ter sua obra escrita aceita; da mesma maneira se sua obra já chegou a um certo volume de leitores com uma publicação virtual. Tanto que entre as perguntas feitas pelas editoras no processo de submissão, quando este existe de forma pública e democrática, figuram algumas relacionadas à presença e atuação do potencial autor em canais e redes da internet, e outras quanto à sua disposição para colocar a cara (e todo o resto do corpo e do espírito) em eventos, virtuais e presenciais, para a divulgação do que vier a ser publicado.

 

Trata-se, como agora se sabe, da economia da atenção, a qual, aplicada aos livros, tem a lei da oferta e da procura fazendo as vendas e os preços oscilarem não em função do bem ofertado (o livro, em si) e da necessidade por ele satisfeita (a leitura que se espera seja transformadora, ampliadora dos saberes e prazeres), mas sim entre a atenção que o autor desperta previamente (como influenciador digital ou gerador de conteúdos atraentes no momento) e o burburinho no universo de consumidores de novidades chamativas do momento, chacoalhada por booktubers, entre outros. Desaparece, assim, aquele elemento que faz da literatura uma arte com potencial para conduzir o leitor a descobertas e prazeres que o livro e a sua leitura, antes, proporcionavam. O livro, assim, deixa de ser um bem com potencial para acrescentar algo ao espírito e à inteligência de quem o lê, para apenas viabilizar o reforço de algo que o potencial leitor já vinha saboreando por meio do consumo anterior de objetos culturais (geralmente de massas) típicos da ciranda das redes sociais, prometedoras de experiências.

 

Pobre escritor! Agora chamado a uma banalização muito mais profunda do que aquela que as editoras de outrora, livres da economia da atenção, já lhe impunham ao constrangerem-lhe a pena para conteúdos e formas que entendiam como vendáveis e, portanto, proporcionadoras do objetivo de uma empresa comercializadora de livros: o lucro.

 

Não se leia, nas palavras acima, nenhuma crítica ou má vontade com as editoras e seus donos e gestores: elas são empresas e precisam ser viáveis, lucrativas, portanto. Não são elas as geradoras dos constrangimentos que a economia da atenção lança sobre as costas do escritor. Os constrangimentos têm origem no mundo novo desenhado pelas atuais tecnologias da informação e da comunicação, no qual também os editores, conversando entre si, assim como eu e meu amigo, trocam lamentos e perplexidades. Pobre editor!

 

Pobre leitor! Agora envolvido num círculo vicioso que parece inquebrável e incontor4nável: demanda banalidades, assim obrigando as editoras o oferecerem banalidades, e estas, a recusarem dos escritores o que não seja banalidade.

 

Pobre literatura! Com o tempo vai minguando, qualitativa e quantitativamente. Será que seu destino é desaparecer? Ou será que ressurgirá na internet (cujos usuários não conseguem ler senão poucas linhas, abandonando tudo que vá além disso) em outro formato, inclusive incluindo “criações” da inteligência artificial? Bem, se isso acontecer, não haverá escritor, no sentido atual da palavra, para escrever conto, novela ou romance para revelar, pela via da arte, essa mudança tão radical do modo de ser humano.

 

Bem, as grandes obras continuarão existindo enquanto houver biblioteca, física ou virtual. E continuarão sendo lidas, enquanto houver leitores capazes de romper o limite de poucas linhas e interessados e dispostos a fazê-lo. E se você chegou até aqui, neste textinho, deve estar entre eles, como eu. Não vamos nos desgarrar!

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