
O Campo de Públicas abrange um conjunto de cursos de graduação e pós-graduação que emergiu de um vigoroso movimento sócio-acadêmico que conseguiu consolidar características próprias muito adequadamente consolidadas nas suas diretrizes curriculares nacionais. Trata-se de características que colocaram seus cursos no devido lugar depois de permanecerem por longo tempo sob o deformante guarda-chuva das diretrizes curriculares nacionais de Administração, como se a Administração Pública fosse desta mera subárea. A mudança alvissareira consistiu em avançar na direção de inserir os cursos do Campo de Públicas no universo acadêmico da multidisciplinaridade, na seara profissional de natureza tecnopolítica (em que o conhecimento científico e a arte da política dialogam entre si) e no contexto socioeconômico de um país em que a gestão pública é elemento essencial para os avanços necessários para que o Brasil acelere rumo a uma economia mais forte e competitiva, que não deixe de promover uma distribuição de renda menos injusta nem de respeitar o paradigma da sustentabilidade ambiental.
As práticas curriculares no Campo de Públicas avançaram sobremaneira em seus aspectos qualitativos desde a conquista das DCNs próprias, tanto no ensino, como na pesquisa e na extensão, sempre dialogando com as soberbas instituições político-acadêmicas que resultaram do movimento que deu origem a tudo isso, as quais realizam eventos regulares e assumem com frequência lutas por novos avanços, tanto no ambiente acadêmico-científico como no do exercício profissional.
Com sua atual maturidade e força, talvez seja oportuno, agora, o Campo de Públicas encetar esforços para que seus cursos – após terem atravessado a ponte que os conduziram da feição estritamente técnica (administração como ciência pretensamente neutra) para a sua atual fisionomia tecnopolítica (um tipo de gestão em que os conhecimentos técnico-científicos são levados à prática considerando a natureza das organizações públicas, densamente marcadas pelo exercício de poderes que movimentam a democracia) – ofereçam aos egressos um tipo de sensibilidade sem o qual correm sério risco de se sentirem, e até se tornarem de fato, burocratas focados na gestão pública descolada do meio em que atua e desprovida da dimensão humanística de sua formação no campo das ciências sociais aplicadas.
Trata-se de destinar, ao longo do tempo de formação dos estudantes, plasmadas nas estruturas curriculares e inseridas nos processos de ensino-aprendizado, preferencialmente de maneira criativa (ou seja, não apenas como novas disciplinas), experiências com potencial para ensejar e aprofundar dois tipos de sensibilidade nos futuros profissionais:
1. Sensibilidade para as especificidades da realidade brasileira (geografia, história, problemas estruturais e conjuntura/momento atual), a fim de que compreendam as técnicas, metodologias e capacitações operacionais, que dominam e constituem suas ferramentas de atuação, como algo que será aplicado num contexto que não se confunde com nenhum outro no conjunto das nações imersas em relações internacionais, que ora são globalizantes, ora tendem a isolamentos, conforme interesses de potências hegemônicas no cenário mundial. Trata-se de oportunizar momentos em que essas especificidades sejam apresentadas, debatidas, refletidas, a partir de leituras plurais, considerando-se a rica literatura existente sobre este assunto (desde os clássicos até os contemporâneos) e os temas de momento. Isso pode ser feito criando-se disciplinas, mas não seria o bastante, sendo necessário pensar mais em momentos de reflexão do que em horas-aulas. Mesmo no caso da criação de uma ou mais disciplinas (do tipo “Faces do desenvolvimento brasileiro” ou “Desafios ao Brasil do século XXI”, não seria o caso de atribuí-la a um professor, mas a um coordenador de atividades que organizaria eventos de curta duração (como palestras e seminários) a cargo de convidados com conteúdos relevantes a oferecer a respeito de temas escolhidos (inclusive no interior dos encontros anuais das entidades). Que as entidades estudantis se envolvam na dinâmica, seria altamente promissor: ofereceriam atividades extracurriculares sob liderança dos discentes, na forma de semanas, colóquios etc., aproveitadas como horas da carga curricular que assim permitam. Que os eventos anuais das entidades do Campo de Públicas mantenham momentos permanente para este tipo de reflexão seria uma forma de reforçar o compromisso com ela e, também, de oportunizar a troca de experiências entre os cursos neste tipo de fazer.
2. Sensibilidade humanística profunda. Trata-se de incentivar e, de algum modo, oportunizar o contato dos estudantes com as artes, mormente a literatura, a fim de que tenham acesso a um tipo de conhecimento (de apreensão da realidade, seria melhor dizer) que a ciência e a técnica não são capazes de proporcionar. A forma de oportunizar momentos para isso pode ser bastante informal (até de preferência). Poderia consistir, só para oferecer um exemplo, em criação e manutenção permanente de clubes de leitura (literária), cineclubes, viagens, visitas, etc. que podem facilmente ser viabilizadas e conduzidas por professores ou estudantes voluntários, por centros acadêmicos, PETs etc., assim como, no âmbito das entidades do Campo de Públicas, por grupos criados para esta finalidade.
O intento subjacente a esta provocação é que o Campo de Públicas dê um novo salto de qualidade: depois de ter trazido para seus fazeres formativos, sem preconceito nem mistificação, a política (como aspecto da vida indispensável, e como condição sine qua non para o bom exercício profissional no âmbito do Estado), agora trazer para os mesmos fazeres formativos uma sensibilidade humanística aprofundada pela arte e uma sensibilidade espaço-temporal inter-fronteiras que se poderia dizer de ponta, inovadora porque rompe com a aceitação de que conhecimento útil é somente o que busca o predomínio absoluto da racionalidade técnico-científica que, da fato, reduz o homem a objeto e reifica a produtividade como única variável relevante numa sociedade urbano-industrial dependente do consumo de massas.
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