Valdemir Pires
Destino
Destino, missão, sina, fado, carma: visões aprisionadoras do tempo, maneiras de afirmar que os acontecimentos transcorrem no tempo como se este fosse um trilho inalterável, com estações de parada obrigatória à revelia do próprio motorneiro. Às vezes, doce engano: foge-se à responsabilidade pela condução e pelas consequências; outras vezes, terrível amarra: a dor de não conseguir o que se deseja ou de receber o que não se quer. Para lamentar ou para comemorar, sempre uma ilusão, esta de que os acontecimentos ao longo da vida estão previamente “escritos” nas páginas do tempo.
O ser humano não tem predestinação, não nasce imbuído de uma missão, não está fadado a isso ou àquilo, não há para ele sina “escrita nas estrelas” nem manchas na alma que precisarão ser lavadas. O destino do homem é nascer, viver e morrer – somente este. Tudo o mais, no intervalo entre surgir e desaparecer, é vontade e negociação – busca impulsionada pelo desejo, limitado por condições do mundo físico e pelos desejos (coincidentes ou conflitantes) dos outros.
Ninguém nasce para ser doutor ou estivador, rico ou pobre, alegre ou triste. Cada um faz de si o que consegue, dados seus dotes e suas circunstâncias, introvertido ou extrovertido, bom ou mau, crente ou ateu. Cada um tem como único destino lidar com o tempo que lhe cabe, sem saber exatamente quando terminará.
O único destino do ser humano é o seu tempo, a sua existência, a sua vida, a sua estada neste mundo misterioso, desprovido de qualquer propósito, exatamente a fim de que cada um invente o seu e o tente, lidando com os sucessos e fracassos. Todos estão destinados exclusivamente a olhar para fora (o mundo em transformação) e para dentro de si (o seu eu em permanente construção e desconstrução) e decidir por caminhos nunca retos, nunca suficientemente iluminados, jamais bem pavimentados, aceitando a caminhada. O resto é ilusão alheia, ruídos do mundo. Há que se abraçar a própria ilusão, até que ela se esgote e outra precise ser colocada em seu lugar – sem ilusão, sim, o destino final e inexorável (a morte) acontece em vida.
Assim como não há destino senão viver, não há tempo para isto ou para aquilo: há somente o tempo que se pode viver, respeitando, sim, determinados limites das etapas que são as idades, mas nunca tomando-os, por sua vez, como inexorabilidades, muros intransponíveis – antes como etapas em que o leque de escolhas se modifica, como a sinalizar que amadurecer biologicamente é inevitável e espiritualmente é conveniente, cada qual devendo aceitar tanto a dor como a delícia de seguir o curso normal ou de a ele se opor. Sequer envelhecer é destino, a não ser para as células (portadoras do único destino de qualquer ser vivo, que é nascer, viver e morrer, apenas).