
Alberto, que confusão! Na semana passada, Diego estranhou uma profusão de postagens na internet comemorando o Dia do Gestor Público (tomando-o como 6 de março) e, então, me ligou, perguntando se era este mesmo o dia e qual o fato que levou a esta escolha. Eu estranhei muito mais que ele. Para mim, o Dia do Administrador Público deve ser 5 de julho. Eu já me explico. Mas antes, é importante dizer que uma data anual comemorativa referente a uma profissão é algo que não pode ser tratado levianamente, porque ela faz parte de uma simbologia fundamental no que tange à noção de pertencimento que potencializa um grupo, no caso uma categoria profissional, e valoriza uma atividade humana específica.

No dia 5 de julho de 2007, realizava-se, e prosseguiria até o dia 8, em Florianópolis SC, o 6º Encontro Nacional dos Estudantes do Campo de Públicas (Eneap). Entre os organizadores estavam Alice Jorge de Souza (Lice – que dá nome a um prêmio acadêmico da área) e Wagner Nathan de Castro, discentes do curso de graduação em Administração Pública do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc). Infelizmente, enquanto trabalhavam na logística do evento, ambos sofreram um acidente automobilístico e vieram a falecer. Foi um momento de extrema tristeza, que todos sentiram que não poderia passar em branco. Um grupo de pessoas, entre professores e estudantes do Campo de Públicas, tomou, então, a iniciativa de propor a data como Dia do Administrador Público. Isto porque todos concordavam – como até hoje concordam, acredito eu – que os estudantes da área tiveram papel preponderante no processo de que resultaram, no país, o movimento Campo de Públicas e sua principal conquista, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) próprias do campo e, posteriormente, a fundação de suas instituições formais, como a Anepecp e a Sbap (a Fenecap, dos estudantes, foi criada antes e promovia os fóruns dos professores paralelamente a seus eventos anuais). Em 07 de agosto de 2007, a vereadora de Balneário Camboriú Délia Terezinha Pavan Julian elaborou o projeto de Lei n. 76/2007, criando o Dia Municipal do Administrador Público (05 de julho). Daí resultou a Lei Ordinária n. 3294/2011, oficializando a ideia. Em novembro de 2007, 5 de julho foi fixado como Dia Estadual do Administrador Público em Santa Catarina (Lei n. 14.180, consolidada em 2015 pela Lei n. 16.719). Em nível nacional, tramita na Câmara dos Deputados o PL 518/2011 (de iniciativa do deputado federal Mauro Mariani), que estabelece 5 de julho como Dia Nacional do Administrador Público. É pela aprovação desta normativa que o Campo de Públicas batalha até hoje, tomando a data como sua referência para a efeméride.

O que você acha, Alberto, de ser esta a data para o Dia do Administrador Público? Não lhe parece muito adequada, assim como válido o esforço para que seja oficializada? A mim, parece que sim, principalmente porque a comemoração do Dia do Administrador Público, tal como justificada para ocorrer neste dia do ano, adquire um quê de vigor da juventude engajada por governos dotados de alta qualidade administrativa (técnica) e republicana/democrática (política) em todo o país - algo valiosíssimo.
Há que se lembrar, ainda, que anteriormente o Dia do Administrador Público era uma nota de rodapé (quando acrescentada, o que era raro) por ocasião da comemoração do Dia do Administrador (9 de setembro, data da Lei n. 4.769, de 1965, que regulamenta aquela profissão). E foi exatamente pela conquista da condição de campo específico de conhecimento e de atuação profissional, e não apêndice ou subárea de Administração, que Lice e Wagner lutavam, juntamente com seus colegas estudantes e professores de então, resultando, sete anos depois, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) próprias dos cursos do Campo de Públicas .
Isso relatado e posto, como entender outras datas comemorativas da profissão?
Convém lembrar que 28 de outubro é comemorado como sendo o Dia do Servidor Público, desde 1937, instituído por Getúlio Vargas, numa perspectiva corporativista típica daquele momento histórico. Tal data formalizou-se pelo Decreto-Lei n. 5.936/1943. Em 1968, o Estado de São Paulo promulgou a Lei estadual n. 10.261, que Dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado e, no seu art. 322, estabelece a mesma data como o dia do Funcionário Público Estadual. Em 1990, a Lei federal n. 8.112 (art. 236) reafirmou 28 de outubro como o Dia do Servidor Público, considerada ponto facultativo, não feriado nacional. Esta lembrança leva à seguinte questão: a existência de um Dia do Servidor Público e de um outro dia, do Administrador Público, se deve ao fato de serem profissões distintas? Não parece ser esta a abordagem correta. O que complica. Afinal, a que grupo de profissionais se deve parabenizar por suas contribuições ao país nos dias 25 de outubro e no dia 5 de julho de cada ano? Pode-se convencionar que servidor é aquele funcionário público de carreira (base da administração pública pretensamente weberiana, criada no país por Getúlio Vargas, indo desde faxineiros e serventes até especialistas em todos os poderes, em todos os níveis da federação), enquanto administrador público tem mais a ver com os profissionais de nível superior que o país passou a formar a partir das décadas finais do século XX? Esta pode ser uma forma de resolver a questão, mas ela é insatisfatória, certamente, pois fragmenta e dissolve o que é relevante comemorar: a existência de uma categoria fundamental à Nação, ao Estado-Nação brasileiro, que não deve ser tão artificialmente dividida em dois grupos, a partir de recorte que é, para dizer o mínimo, duvidoso. Não acha, Alberto?
Mas, infelizmente, há mais ainda para confundir. A que se referem todos aqueles que publicaram na internet palavras elogiosas ao Dia do Gestor Público no dia 6 de março, levando Diego ao espanto, contaminando-me ao me consultar? Caramba, hein! Servidor público, administrador público e, agora, gestor público: você, Alberto (e Diego) qual deles se considera? É algo para voltarmos a discutir, com certeza. Por ora é preciso esclarecer de onde surge este 6 de março como Dia do Gestor Público.
Não se trada de um dia nacional, mas estadual. No Tocantins, criado pela Lei n. 4.255/2023; em Goiás, instituído pela Lei n. 18.221/2013. Mas há outros dias. Na Bahia, a efeméride foi alocada no dia 1º. de dezembro, pela Lei n. 14.129/2019. Já no Estado de Sergipe, considerou-se o Dia do gestor governamental (outro nome!), 30 de agosto, projeto de lei n. 206/2022, de autoria do então deputado estadual e depois vice-governador, Zezinho Sobral, convertido na Lei n. 9.086/2022. No Estado de Mato Grosso, comemora-se o Dia do Gestor Público e da Gestora Pública em 13 de dezembro, conforme a Lei n. 11.502/2021, resultante do projeto de Lei n. 964/2020, de autoria do deputado estadual Lúdio Cabral. Nesses cinco casos, os profissionais levados em consideração são aquele pertencentes a “carreiras de Estado” nas respectivas unidades da federação, estabelecidas nos moldes daquela instituída no governo federal por Bresser Pereira, no contexto da Reforma Gerencial do Estado dos anos 1990. Foram datas defendidas geralmente por sindicatos de servidores dessas mesmas carreiras. As escolhas dos dias comemorativos relacionam-se a eventos como criação de carreiras de especialistas ou ingresso de seus primeiros contratados no serviço público. Somados os indivíduos a que as datas afetam, não devem ultrapassar (ou chegar) a umas seis ou sete centenas. Seria fácil convidar todos para um único churrasco se concordassem em unificar as suas respectivas datas comemorativas. Talvez existam outras datas instituídas por outros estados, o que tornaria o tal churrasco um pouco mais concorrido. Churrasco merecido, digno de se realizar – Vivam as carreiras de gestores públicos e seus ocupantes! – mas é preciso ter clareza de que uma efeméride de maior abrangência é mais importante e mais forte se considerar o conjunto dos que contribuem para bons governos e boas administrações públicas em todos os poderes e entes do Estado, nos três níveis da federação.
Há que se lembrar, ainda, que os paulistas escolheram o dia 4 de janeiro como sendo o Dia da Gestão Pública do Estado de São Paulo, Lei n. 17.733/2023, desdobramento do projeto de Lei n. 317/2022, de iniciativa da deputada Marina Helou. O enfoque, neste caso, é mais claro: considera uma atividade e não profissionais, nela cabendo, pois, todos os participantes. Mas tem o defeito de colidir, de certo modo, com o já conhecido Dia do Servidor Público Paulista (Lei estadual n. 10.261/1968).
Bem, Alberto, claro que cada grupo tem o direito de comemorar o “seu dia” quando e como bem entender, especialmente se amparado por lei específica para isso; e não há nada que possa ou deva impedir que um mesmo grupo comemore como “seu” mais de um dia. Por exemplo, um funcionário concursado na Secretaria da Fazenda de São Paulo pode comemorar o dia 28 de outubro (Dia do Servidor Público, que ele é) e também o dia 4 de janeiro (Dia da Gestão Pública Paulista, a que ele pertence), assim como o dia 5 de julho (Dia do Administrador Público, que ele também é, especialmente se graduado em um dos cursos do Campo de Públicas). Até aí, tudo bem. Mas passado o Carnaval, o que será feito durante e depois da Quaresma? Que data comemorativa pode unificar as visões de mundo, as perspectivas político-administrativas, as lutas, os objetivos e metas daquela multidão de pessoas (em convivência na divergência, tantas vezes) que, em todo o Brasil, lidam com decisões e fazeres que têm por finalidade colocar em funcionamento as instituições estatais (preferencialmente republicanas e democráticas) visando o interesse coletivo e em busca do bem-estar social e da justiça social? A resposta correta a esta pergunta requer que se busque algo – uma data e um evento – que corresponda não a interesses individuais, locais, grupais ou corporativos, mas coletivos, mesmo; uma data amplamente simbólica e densa em valores em que muitos acreditam, juntos. Uma data qualquer, arbitrária, particular mais atrapalha que ajuda, assim como uma multiplicidade delas. Talvez seja a hora de o Campo de Públicas passar a dialogar com os sindicatos de servidores, administradores, gestores públicos (talvez com a ajuda principalmente da Pró-Pública), não só a respeito de datas comemorativas, mas sobretudo de pontes - pontes entre os assuntos tanto formativos como profissionais de quem atua ou atuará na administração pública, nas instituições estatais.
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