Cartas a um jovem gestor público – 11ª.
- Valdemir Pires
- 24 de mar.
- 3 min de leitura

O ensino superior de administração/gestão pública, de gestão social e de políticas públicas/gestão de políticas públicas ganhou impulso no Brasil nas primeiras décadas do século XXI, momento em que os efeitos da Constituição de 1988 começaram a modificar o modus operandi do Estado brasileiro, recém-democratizado e, portanto, obrigado a se reconfigurar para atender às demandas/pressões por políticas públicas inclusivas, mormente nas áreas de educação, saúde e urbanismo. Transformação que ocorreu, todavia, na contramão da tendência global anti-Estado (neoliberalismo).
Pode-se dizer que o movimento Campo de Públicas, cujas conquistas fundamentais foram as diretrizes curriculares próprias para as áreas de conhecimento que o compõem, a fundação de entidades agregadoras próprias (FENECAP, ANEPECP e SBAP) e a realização periódica regular de eventos científicos pertinentes à área de ensino e pesquisa, foi uma verdadeira trincheira na luta pela consolidação democrática no país (fortemente ameaçada em anos recentes e até o momento não isenta de riscos), assim como para a manutenção da perspectiva social das políticas públicas, tal como preconizada na sempre ameaçada Constituição Cidadã de 1988. Este movimento singular, específico da universidade brasileira (não conheço algo semelhante em outro lugar) realizou o prodígio de transformar o ensino, a pesquisa e a extensão, sem desvirtuá-las ou reduzir-lhes a qualidade, em importante suporte tecnopolítico para as decisões e ações dos governos, nos três níveis da federação, na medida em que passou a abastecer as administrações públicas de quadros qualificados e a oferecer resultados de pesquisas de elevado nível para as tomadas de decisão e sua subsequente implementação e avaliação.
Atualmente o Campo de Públicas é uma força atuante na universidade brasileira, tanto na graduação como na pós-graduação, nas modalidades presencial e à distância, anualmente formando novos profissionais, que vão se engajando nas administrações direta e indireta, nas entidades do terceiro setor, em organismos internacionais, em empresas de consultoria a governos e em empresas que oferecem produtos e serviços aos governos etc., sempre carregando consigo uma competência técnica específica que faltava no país, além de uma visão humanística na qual a boa sociedade não pode existir sem bons governos – eficientes, eficazes, efetivos, sustentáveis, republicanos, democráticos. A tal ponto que, mesmo atuando em empresas privadas, visando o lucro, podem fazê-lo de modo a contribuir para evitar práticas antiéticas e corruptas, na medida em que têm todo o preparo para isso.
Por que estou lhe dizendo isso, Alberto? Para dizer que recebi com muita alegria a notícia de que você passará a lecionar num curso EAD que tenho na lista dos sérios e comprometidos. E, digo mais, na expectativa de que você venha a se tornar um professor efetivo de alguma universidade, em curso do Campo de Públicas.
Você tem excelente formação (graduação e mestrado), pretende ingressar num doutorado da área (ou seja, aprecia a atividade de pesquisa) e está passando por experiências na gestão pública que em qualificam singularmente sua possível futura atuação como professor universitário do Campo de Públicas.
E, veja bem, os cursos do Campo de Públicas ainda são cursos cujos professores são, em sua imensa maioria, egressos das áreas que multidisciplinarmente o configuram: Economia, Administração, Contabilidade, Direito, Ciências Sociais, Ciência Política etc. Poucos são egressos dos cursos de Administração Pública, Gestão Pública, Gestão Social, Políticas Públicas, Gestão de Políticas Públicas.
Entendo ser de grande importância os egressos dos cursos do próprio Campo de Públicas começarem a lecionar nos cursos de graduação e pós-graduação que o compõem, inclusive, quando possível, vindo a coordená-los, pois são esses estudiosos os portadores da visão de conjunto da área, compreendendo plenamente suas potencialidades e fragilidades, além de seu histórico e importância no país. Eu espero que as entidades e os cursos do Campo de Públicas atentem para esta necessidade/possibilidade, mas – e isso é extremamente importante – sem descambar em corporativismo oportunista e jamais abrindo mão de um ensino multidisciplinar, que requer a presença de egressos dos cursos que o asseguram. É nos processos para selecionar colaboradores (via editais de concursos no caso das universidade públicas) que se concentram as possibilidades de avançar na direção aqui delineada.
Vá, Alberto, oferecer à troca com alunos o que aprendeu/está aprendendo, para que a cada dia o Brasil avance na construção e funcionamento de melhores governos, absolutamente necessários para se tornar a economia/sociedade que pode, dadas suas imensas possibilidades, não raro travadas exatamente pela falta dos tais bons governos. Procure conversar com seus colegas que já seguiram este rumo e veja como tem sido a experiência deles. São vários, já. Lembra da Daiane (que organizava as sessões de cine/debate), do Fábio (de Araras), do Daniel (que foi meu monitor), do Victor (pai dos gêmeos), do Felipe paulista, do Felipe catarinense, do Marco Antonio (que tomou caravela de volta)?
Reflexão valiosa sobre a importância do Campo de Públicas na formação de gestores comprometidos com valores democráticos. Como fortalecer a interdisciplinaridade sem perder a identidade desta área? [picapica booth]