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Foto do escritorValdemir Pires

Aprender e amar: contra a burrice e a truculência




 A burrice e a truculência costumam andar de mãos dadas, fortalecendo uma à outra. E há momentos, na História, em que elas não caminham: correm. E o fazem arrasando tudo e todos por onde passam. São como doenças gêmeas, com força de epidemia. O que lhes abre as portas, sempre, é o fato de as pessoas perderem a vergonha de serem percebidas como burras ou truculentas.

 

Quando a inteligência e a sensibilidade deixam de ser qualidades, cedendo lugar à burrice e à truculência, a utopia se torna risível, e a selvagem lei do mais forte põe uns contra os outros, cada qual pensando que pode ser feliz sozinho e que os demais existem para servi-lo.

 

A burrice e a truculência, juntas, são capazes de destruir não só impérios, mas modos de vida que levam décadas e até mesmo séculos para serem coletivamente urdidos. Plenamente juntas, resultam na guerra, esta parteira violenta de mudanças sociais, quando para isso falha a capacidade de diálogo, a mais evidente ocorrência da burrice e da truculência articuladas entre si.

 

Quanto mais inteligência o homem aplica na produção de meios de destruição, de armas de guerra, mais potência põe à disposição da truculência. E mais fortalece a burrice quando esta consegue se impor e substituir a negociação pela imposição nas relações sociais. A História é cheia de exemplos para comprovar isso. Mas é suficiente lembrar o que antecedeu as duas Guerras Mundiais e acompanhar a evolução dos atual conflito entre Rússia e Ucrânia e a ação de Israel sobre Gaza.

 

A burrice e a truculência não são forças brutas que eclodem repentinamente. Uma é a mola, outra é a pressão. Juntas fornecem o acúmulo que resulta na explosão incontrolável que as caracterizam quando se unem.

 

Sem a burrice, a truculência perde força: a sensatez da inteligência a coloca sob controle, embora jamais possa anulá-la completamente. Por outro lado, sem a truculência, a burrice se coloca em seu devido lugar: o da vergonha.

 

Não é inteligente deixar de chamar a atenção sobre os comportamentos, atitudes, decisões e ações tipicamente burros, sob o argumento de que se trata de atitude preconceituosa e prepotente dos menos numerosos indivíduos que atingem patamares de compreensão da vida e do mundo por meio de estudos e pesquisas. Se quem é capaz de identificar a burrice e alertar para sua inconveniência e seus perigos não o faz, não serão os burros a fazê-lo. Muito pelo contrário: deles emanará um anti-intelectualismo impiedoso.

 

Mas é preciso, a esta altura, deixar claro o que é burrice. Não é a falta de conhecimento (isso é ignorância, que pode ser sanada com diligente busca do que falta). Também não é a incapacidade de raciocinar (isso, excluídas as patologias, é hábito, às vezes vício, que pode ser corrigido). A burrice é a inapetência, a falta de apetite para pensar, que reduz o ser racional, que o homem potencialmente é, ao nascer, a um animal irracional: o burro servindo como infeliz exemplo (logo ele que é tão útil sendo o que é sem corromper sua natureza).

 

Note-se que a burrice não é “privilégio” dos menos bem informados ou dos excluídos do reconhecimento formal de habilidades e conhecimentos (diplomas). Há doutores em ciência ou filosofia que portam, adicionalmente, o título de pós-graduados em burrice, pois conhecimento sem sensibilidade resulta em baixa sabedoria, principalmente quando este conhecimento serve de ponte para a prepotência do “saber”, muitas vezes alicerce da truculência. Basta perceber, como exemplo, o caso do neoliberalismo: excesso de matemática e uso de dados, enviesadamente, para justificar o darwinismo social e batalhar para levá-lo ao extremo.

 

Vive-se, hoje, uma vez mais (o fenômeno é recorrente na História), um tempo de burrice e truculência, apesar de todo o conhecimento (especialmente tecnológico) hoje acumulado pela humanidade. Esses valores ao avesso estão ganhando o mundo a partir de mentes confusas e corações aflitos que, em vez de se darem conta de sua condição e disso se envergonharem, arvoram-se – na economia, na política, na cultura – a gênios ou talentos exemplares, diante de uma imensa plateia de outros confusos e aflitos em busca de inspiração para suportar sua aterradora mesmice consumista e narcisista, quotidianamente frustrada.

 

A solução para este problema coletivo e global não é simples nem será encontrada de um dia para o outro. Que cada um, vivendo no turbilhão de incertezas e tristezas em que o momento atual consiste, lembre a cada começo de manhã e ao final de cada noite, desta faísca de inteligência e sensibilidade oferecida por Arthur C. Clarke: "Na minha vida encontrei duas coisas de valor inestimável – aprender e amar. Nada mais - nem fama, nem poder, nem conquistas ou vitórias pessoais – pode ter o mesmo valor duradouro. Pois quando a sua vida acabar, se você conseguir dizer 'aprendi' e 'amei', também poderá dizer ‘fui feliz’. ” Aprender e amar como valores, como barreiras à burrice e à truculência. Fácil de entender e aceitar, muito difícil de praticar. Mas é bom saber... E sonhar.

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