top of page
  • Foto do escritorValdemir Pires

Amigo não é coisa para se guardar



O poeta nunca tem razão, porque se a tivesse seria reduzido a cientista ou filósofo. Amigo não é coisa, para se guardar, porque se fosse, seria tão grande que não caberia em lugar algum. Sobretudo, amigo não é para se guardar: amigo se guarda, se guarda, ele mesmo, no lado esquerdo do peito – o lado do sentimento, da emoção, o lugar que contém razões que a própria razão desconhece. Amigo não é aquele que se escolhe e diz: “Ficará guardado do lado esquerdo do peito”. É aquele que, com o passar do tempo, ali se instala, não por escolha do coração que o hospeda, mas por circunstâncias de duas vidas. Amizade é obra do tempo-construtor: vivências contínuas ou esporádicas edificam um sentimento forte como o amor, que o tempo-destruidor se torna incapaz de demolir, embora às vezes tente, e mal consiga arranhar. Amigo é aquele ou aquela que por si se guarda do lado esquerdo do peito da gente. E quem assim canta, chora, ao ver o amigo partir. Porque amigos partem. O tempo-estrada é repleto de bifurcações e desvios. Mas este chorar é um sorrir, porque apesar da partida (às vezes eterna), amigo permanece guardado, debaixo de sete chaves, invioláveis às tentativas do tempo-assaltante. Ah, e quando o amigo que partiu volta! Então o tempo, teimoso em não retroceder, vê a sua trajetória, em tudo inflexivelmente reta e direcionada para a frente, curvar-se para trás e recomeçar, repetindo-se a partir daquele ponto em que um dia dois corações se encontraram e, sem então se darem conta disso, se tornaram amigos – para sempre, pois a verdadeira amizade, raríssima, é eterna; ela conhece o tempo unicamente como ocasião para festejos das almas capazes de se comunicar à revelia dos ruídos do mundo e também à revelia das distâncias que o espaço sempre teima em impor.

5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page