Valdemir Pires
“...ainda não sabemos o que é o tempo...”

Termino a leitura de Tempo – O sonho de matar Chonos, de Guido Tonelli (Ed. Zahar, 2023). No penúltimo parágrafo da última página (220), a clara conclusão do premiado físico italiano: “Na verdade, ainda não sabemos o que é o tempo, mas vimos que ele tem um papel fundamental em todos os ângulos explorados pela física... (...) Decerto muito tempo irá se passar antes de conseguirmos descrever o mundo que nos cerca sem recorrer a esse conceito.”
Livro de divulgação científica muito bem escrito. Eivado de citações literárias e de menções a obras de arte e a belos lugares, utilizados para ensejar explicações teórico-técnicas, de modo a graciosamente “humanizá-las”.
Escrita fluida, marcada por um esforço didático, esclarece como poucas obras os desenvolvimentos atuais da física e da cosmologia. Traz explicações breves e claras sobre física relativística, física quântica, entropia, buracos negros (estelares e massivos), partículas elementares, princípio da incerteza etc. – um passeio, enfim, por abordagens e teorias/hipóteses científicas a partir da quais muitos estão afirmando que o tempo não existe.
Ora, se um dia ele existiu e agora não existe mais, morreu ou foi assassinado, conclui-se. Mas não: de fato o tempo existe, sim (e é reconfortante ouvir um físico atuante dizer isso). Chronos não foi morto, não. Afinal, não há notícia de que alguém, algum dia, foi capaz de ceifar a vida de um ente de cuja existência nunca pôde ter certeza. Seria como matar um fantasma.
E é como um fantasma que o tempo existe: está aí, mas não sabemos o que é. Mas sabemos e sentimos que está.
Isso posto, por Tonelli, tente-se, agora, ler o seu conterrâneo Carlo Rovelli (A ordem do tempo, Ed. Objetiva, 2018), que figura entre os mais conhecidos físicos e divulgadores científicos que já estão convidando para a missa de 7º. dia da morte do tempo.
Colocar frente a frente Tonelli e Rovelli é um exercício de reflexão absolutamente interessante, capaz de levar a um mínimo de compreensão do que se passa no mundo da física e da cosmologia, nessa fase de novos e assombrosos avanços teóricos e observacionais nos âmbitos do mundo infinitamente pequeno da física quântica (com os espetaculares aceleradores de partículas) e do universo de imensidões inimagináveis dos conglomerados de galáxias (hoje sob os “olhos” poderosos do telescópio James Web).
Não é à toa que o tempo, antes objeto de especulações filosóficas, volte a sê-lo, com força, no campo do conhecimento científico. Nunca estivemos tão perto de “vê-lo face-a-face” ou de desvendar sua natureza fantasmagórica, desprovido de rosto e corpo. Esse estado de coisas no campo do conhecimento, todavia, não chegou ao ponto final, conclusivo. Muita água ainda vai rolar no rio do tempo, até que Chronos seja morto ou destronado: se, por um lado, nunca duvidamos tanto da existência e importância do tempo, por outro lado, nunca ele nos prendeu tanto, cobrando-nos diariamente a intervalados de 60 minutos.