Valdemir Pires
A terra dos Glaucos

Conta Xenofonte que o jovem Glauco se movia como quem desejava ser governante em Atenas. Sócrates, sabendo-o incapaz para o exercício do poder naquela democracia, acercou-se dele ao encontrá-lo, certa vez, e o envolveu numa de suas conversas destinadas a fazer a pessoa descobrir suas limitações. Começou por revelar-lhe a incompetência em assuntos de finanças públicas; depois, em defesa nacional.
“– Não procurarás enriquecer a cidade – disse Sócrates – como se se tratasse de enriquecer a casa de um amigo?
– Sim.
– Inventar maiores rendas não será o meio de torná-la rica?
– Evidentemente.
– Diga-me, pois, de onde se retiram hoje as rendas do Estado e qual o seu montante. Certamente fizeste teus estudos, a fim de suprir com os produtos que escassearem e prover aos que vierem a faltar.
– Por Zeus! – respondeu Glauco –, jamais pensei nisso.
– Sendo que não pensaste neste ponto, dize-me, ao menos, quais são as despesas da cidade: porque não resta dúvida de que tens a intenção de eliminar as supérfluas.
– Palavra!, tampouco pensei nisso.
– Pois bem, deixemos para depois o projeto de enriquecer o Estado. Como, porém, pensar em tal coisa, antes de conhecer as despesas e as rendas?
– Mas, Sócrates – disse Glauco –, também pode enriquecer-se a República com os despojos dos inimigos.
– Sim, sem dúvida, se formos mais fortes do que eles. Se formos mais fracos, nós é que seremos despojados.
– Quem desejar empreender uma guerra precisa, pois, conhecer a força de sua nação e a dos inimigos, a fim de, se a sua pátria for mais forte, poder abrir as hostilidades, se mais fraca, manter-se defensiva.
– Tens razão.
– Dize-me, primeiro, quais são as forças de nossa cidade em terra e mar, depois a dos inimigos.
- Ora, assim de improviso não posso responder-te!”
Terra dos Glaucos. Isso é o que somos.
E em terra de Glaucos, nenhum Sócrates pode ter vez. Ainda que não lhe seja ministrada cicuta, todas as portas lhe serão fechadas. E cada Sócrates precisa se cuidar para que uma delas não o impeça de sair de um incômodo cômodo a que seja não gentilmente convidado a entrar, sem justo julgamento.