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  • Foto do escritorValdemir Pires

A sede e a sede do novo

Atualizado: 17 de jun.



Vive-se com sede (“sêde”) de novo, vontade incontrolável de novidades. Mas qual é a sede (“séde”), o local, onde o novo se aloja no mundo e nas pessoas?

O velho, o antigo, o repetitivo se tornaram praticamente insuportáveis; no mínimo, são menos desejáveis que o novo, o contemporâneo, o ocasional. O vivido é desprezado e deseja-se mais e mais a experiência ainda por sentir – o caminho não trilhado. Anseia-se que o futuro puxe para si o presente, desenroscando-o do passado. Eis um dado de realidade na era que alguns denominam pós-modernidade.

Se por um lado este anseio por “territórios temporais” não visitados pode significar uma capacidade para abraçar sonhos e, portanto, fecundar a vida com energia transformadora, por outro lado, pode se converter em destrutiva ansiedade, esta incapacidade de lidar com o ritmo em que passado, presente e futuro se entrelaçam.

Quanto mais intensa a vontade do novo, maior a incapacidade de suportar as esperas, já que esperar passa a ser sentido como um esforço desagradável para suportar um presente que envelhece instantaneamente, que se torna passado antes mesmo do futuro se converter em presente.

Quando a sede pelo novo mata qualquer apreço pelo velho, quando se deseja que o futuro suplante o presente a cada instante, o presente desaparece e o agora passa a ser o amanhã. Vive-se viajando, sem nunca ter tempo para sequer compreender o que se passa com a vida. É como se, numa metáfora espacial do tempo, se viajasse sem cessar, com isso perdendo totalmente a noção de espaço e de lugar.

Onde se aloja esta vontade louca? Provavelmente nas relações sociais embaladas por um impulso ao consumo irrefreado de mercadorias que prometem sensações intensas, para substituir a mesmice do dia a dia em que todos estão, de fato, mergulhados. Por essa via coletiva, o desejo recalcado de alegrias sem fim penetra nas mentalidades excitadas pela propaganda e pelo marketing (antes) e pela convivência artificial edulcorada nas rede sociais (atualmente). É desse mundo imaginário (coletivo e individual – entrelaçados), cheio de potenciais prazeres por vir, que emergem comportamentos avessos à noção de trajetória de vida, em troca de outra noção, a de instantes sucessivos, não intercalados entre si, dos quais se procura descartar os elos que não proporcionam prazer.

A experimentação sem fim se confunde, nessa “modernidade líquida” (conceito que confronta o de pós-modernidade), com a própria felicidade, que já não comporta a capacidade de lidar com a dor, com desapontamento, com os contratempos, com os fracassos com que qualquer indivíduo se depara, necessariamente. É tudo como se a vida pudesse ser uma eterna infância eivada de presentes e adulações e nunca de cobranças ou reprimendas. E ninguém se lembra de perguntar quem são os adultos que cuidam para que assim possa ser; e de qual a verdadeira vantagem de a vida nunca superar aquela fase em que se pode viver dos cuidados com que os outros a cercam, sem qualquer preocupação com os autocuidados e com os cuidados que é necessário dedicar aos outros.

Até mesmo aqueles que não podem adentrar esse tempo e esse lugar (esse templo) líquidos, movediços, porque estão barrados das possibilidades de consumo sem limites, das coisas, dos outros e de si, até mesmo esses excluídos, sonham, igualmente, este pesadelo desta fase terminal do capitalismo como até aqui conhecido. É por isso que a sede de novidade não está mais sediada no terreno da revolução. E se assim é, o que virá não dialoga com a utopia, mas sim com as numerosas distopias concorrentes que estão por aí, rondando o futuro como novidades tenebrosas, que ninguém deseja, mas, com seu comportamento consumista exacerbado, enseja, oportuniza, puxa para si e para todos, inconscientemente.

Que fazer? Nas páginas já escritas (e, portanto, envelhecidas) de um revolucionário, haveria uma resposta para esta pergunta. Resposta um tanto esquemática, de natureza política e, portanto, constrangedora. Mas nas páginas ainda por escrever, de um experimentador individualista, a resposta sequer se esboça, por desnecessária: tudo que se pode (e se deve fazer), é seguir em frente experimentando, procurando desviar da dor e se agarrando aos prazeres, sem qualquer senso de coletividade, pois esta é uma abstração limitadora.

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