O máximo contraponto ao chamado (e famigerado) “orçamento secreto”, adotado durante o governo de Bolsonaro, é o internacionalmente conhecido e consagrado “orçamento participativo” (OP), que ganhou dimensão prática nos primeiros governos municipais do PT, no final dos anos 1980 e durante as décadas de 1990 e 2000. O OP perdeu força no Brasil a partir da década de 2010, mas com a recente eleição de Lula para Presidente, deve ser novamente aclamado. É preciso atenção e cuidado, com isso, entretanto.
Primeiro, porque as conjunturas que estão marcando os anos 2020 se apresentam adversas ao diálogo entre os governos e a sociedade civil, devido a um conjunto numeroso de fatores, dos quais se destacam, primeiro, o impacto das relações virtuais fáceis e rápidas entre indivíduos e entre estes e os governos, o que modifica em profundidade o teor e o formato da comunicação necessária às discussões; e, segundo, uma notória propensão ao questionamento das políticas e metodologias de alto teor social e democrático – guinada à direita.
Além disso, a reflexão sobre as práticas de OP, no Brasil e no mundo, apesar de raramente concluírem por sua completa ineficácia ou indesejabilidade (ao menos nos casos tidos como bem-sucedidos), dá conta de que se trata de uma metodologia cujo sucesso depende de numerosos fatores delicados, que exigem dos que a adotam uma concentrada dedicação a aspectos tanto técnicos como políticos, sob pena não só de fracasso da tentativa, como também de prejuízos à credibilidade da própria metodologia. Isso acontece porque discutir orçamento público é mais complicado, muito mais complicado, do que discutir, por exemplo, políticas públicas. Enquanto o debate a respeito das políticas públicas em geral se restringe a princípios, objetivos e metas, o debate orçamentário inclui projeções de receita, definição de dotações (autorizações de gasto) segundo classificações técnicas específicas.
Outro limitante importante do OP é que até aqui foi experimentado com relativo sucesso no nível municipal, com relativo fracasso no nível estadual e se limitou a tentativas fugazes e incompletas no nível federal, sem reflexões conclusivas a respeito.
Por mais antipático que isso possa parecer, há que se esclarecer, por fim, que de fato nunca existiu “orçamento participativo”, propriamente, mas sim participação popular no debate acerca de uma parcela dos recursos potencialmente disponíveis para despesas com investimento ou elevação de despesas com tópicos escolhidos de despesas sociais (mais professores, mais médicos, por exemplo). A utilidade deste esclarecimento reside no fato de que exorciza um fantasma: o de que os cidadãos comuns substituem (usurpando direitos) os eleitos (prefeitos e vereadores, no caso dos municípios) na decisão orçamentária. Não! O que acontece no OP é que o prefeito (na elaboração orçamentária que lhe compete) e, depois, os vereadores (na aprovação legislativa da proposta enviada pelo prefeito) permitem aos cidadãos interessados (geralmente uma fração mínima dos eleitores) opinar sobre uma pequena fração da despesa pública (no caso dos municípios brasileiros, raramente um percentual elevado, girando em torno de 5-15%, talvez, em ano de receita boa).
No governo federal sob Lula, o contraponto ao “orçamento secreto” não deve ser, portanto, o “orçamento participativo”, mas, primeiro, o desenvolvimento de esforços efetivos para mudar o padrão de relacionamento entre o Congresso e o Poder Executivo, deixando de utilizar as dotações orçamentárias como moeda de troca (como se fez e faz no “mensalão”, no “orçamento secreto” e nas emendas parlamentares); e, segundo, a retomada de todo o processo de interlocução do governo com a sociedade, por meio de conselhos, audiências públicas e consultas, processo que abandonado nos últimos anos, aliás sem grade resistência dos interessados (e essa constatação não deve ser deixada de lado quando se for tentar o resgate do que se perdeu durante os governos de Temer a Bolsonaro).
Adicionalmente, são bem-vindos apoios do governo federal para a melhoria da gestão orçamentária nos municípios (mormente em termos de capacitação), a fim de que as práticas locais de OP (estas sim, incentivadas) sejam levadas a efeito com melhor apoio técnico das equipes de governo das prefeituras, para que, enfim, as decisões tomadas com participação popular sejam explicitadas nas peças orçamentárias (coisa rara até aqui) e, depois, adequadamente monitoradas ao longo da execução.
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