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A distância entre nós

  • Foto do escritor: Valdemir Pires
    Valdemir Pires
  • 3 de jul.
  • 3 min de leitura
Imagem: Wix
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O futuro esboçado pelas grandes cidades com que a China vem assombrando o mundo desde o começo dos anos 1990, quando iniciou sua ascensão à condição de potência global, partindo de uma situação que beirava a miséria, desperta hoje dois tipos de reação. O primeiro, da parte das potências cujos interesses a economia chinesa ameaça: é um tipo de reação combativo, centrado em denunciar as condições político-ideológicas prevalecentes no “socialismo de mercado”, caracterizadas como inaceitavelmente autoritárias. O segundo tipo de reação é reflexivo: questiona-se sobre as bases e a sustentabilidade temporal do fenômeno econômico chinês.

 

Num país como o Brasil, com seu modelo de desenvolvimento primeiro liberal e depois neoliberal, inicialmente à sombra do modelo europeu e depois americano, jamais foi atingido um nível e um padrão de desenvolvimento como o ostentado pela China desde o final do século XX.

 

A distância entre nós – Brasil e China – hoje é grande. Ao longo das sete primeiras décadas do século XX, era vantajosa ao Brasil: nós pobres, os chineses miseráveis, a nossa pobreza ali, tendendo à miséria deles. Mas depois disso, a China avançou vertiginosamente e o Brasil amargou décadas perdidas e, comparativamente, estacionou, tanto em termos de crescimento quanto de distribuição da riqueza.

 

Olhando para o futuro, desenha-se uma tendência muito clara: o aprofundamento da já enorme distância entre nós, brasileiros, e os nossos parceiros chineses. Entre os membros do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), talvez o Brasil seja o que menos esteja construindo internamente e articulando externamente um modelo de desenvolvimento considerando as tendências globais da atual fase de transição pós-globalização neoliberal, em que todo o cenário geoestratégico se redesenha.

 

A incapacidade do Brasil de se reposicionar assegurando melhor futuro do que o presente, em grande medida se deve à distância entre nós, brasileiros. Se é verdade que a concentração de renda (funcional e regional) no nosso país, de meados para o final do século XX, ensaiou, aqui e ali, alguma propensão à redução, esta foi pequena e, pior, não sustentada, variando ao sabor de políticas públicas oscilantes, em cenários de crescimento do PIB dependentes de sorte e azar face ao crescimento econômico mundial.

 

Atualmente, a distância entre nós – brasileiros pobres e brasileiros ricos, economia chinesa e economia brasileira – dá sinais de que vai se aprofundar. Qualquer brasileiro que passe uma semana em uma grande cidade chinesa regressará para cá com um gosto amargo na garganta, perguntando-se se existe alguma possibilidade de seu país retomar o fio da meada e pelo menos almejar, ao longo dos próximos cinquenta anos, imitar parcialmente a experiência chinesa, que combina Estado planificador e iniciativa privada inovadora, beneficiando diretamente a população, embora sustentando desigualdades como em qualquer economia capitalista.

 

Ao retornar ao Brasil, o viajante se sentirá em meio a escombros. Cidades com zeladorias precaríssimas, infraestruturas envelhecidas e quase abandonadas, sistema educacional com base disfuncional (gerando semianalfabetos) e ensino superior estéril (copiando um produtivismo científico caricato, para dizer o mínimo), mercado de trabalho crescentemente precarizado disfarçando subemprego em empreendedorismo, sistema de saúde lutando a duras penas para oferecer gratuitamente acesso universal aos serviços, finanças públicas em cujo âmbito rentistas (querendo mais juros) lutam ferrenhamente contra pagadores de impostos (pobres e classe média sendo chamados a contribuir mais) e beneficiários de políticas públicas (acusados de parasitas), entre outros horrores por trás da criminalidade que grassa nas cidades.

 

Além disso, o viajante que retorna se depara com uma luta intestina entre um governo central relativamente progressista e um congresso nacional para lá de retrógrado, eivado de parlamentares que combinam precariedade intelectual e fome de vantagens pessoais veladas por um discurso que gagueja máximas fascistas com se fossem diretivas do reino da liberdade.

 

A distância entre o Brasil e a China talvez seja o espelho da distância entre o ultraliberalismo idiota e idiotizante (que por aqui foi semeado e tem sido cultivado com excessivo zelo) e o intervencionismo estatal pró-desenvolvimento acelerado e distributivista que caracteriza o modelo chinês, aqui atacado como manifestação do autoritarismo oriental que ameaça as democracias. Concretamente falando, democracias que estão colocando no comando, em todo o mundo, representantes dos interesses dos ricos e bilionários, em detrimento e às custas dos pobres e miseráveis que os elegem. E tudo sob o lema dourado da liberdade individual... Mesmo que visivelmente a essa liberdade político-ideológica ilimitada corresponda, cada vez mais, na esfera da economia, um direito que, para pobres e miseráveis, não proporciona acesso ao mínimo necessário a uma vida digna, economicamente falando. Com seus votos, os não-ricos estão conseguindo a façanha de adquirir ingressos para o livre mercado em que se verão incapazes de comprar arroz e feijão. Que bela liberdade! A de acelerar a chegada ao túmulo, depois de viver precariamente, mas com a convicção de não ter sido escravo ou servo, mesmo o tendo sido a vida inteira...

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