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A CPFL Paulista não é uma empresa séria

Foto do escritor: Valdemir PiresValdemir Pires

Imagem: Valdemir Pires - relês abandonados na rua após reparos em iluminação pública
Imagem: Valdemir Pires - relês abandonados na rua após reparos em iluminação pública

"Le Brésil n´est pas un pays serieux". Em português, “O Brasil não é um país sério”. Cresci ouvindo esta frase e acreditando nela, alimentadora do complexo de vira-latas que habita em mim, e em tantos brasileiros, escancaradamente, sorrindo na janela, desde que Nelson Rodrigues tão bem o caracterizou.

 

Estou seguro em atribuir a Nelson Rodrigues esta feliz metáfora para caracterizar o brasileiro como portador de uma nacionalidade de cujo valor ele mesmo duvida. Quanto a ter sido o presidente francês, general Charles De Gaulle, quem afirmou, nos anos 1960, ser o Brasil um país desprovido de seriedade, não tenho certeza. Há quem diga que o verdadeiro autor foi o embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza e Filho (genro do ex-presidente Artur Bernardes), em 1962, enquanto procurava se livrar de problemas relacionados à pesca de lagostas pelos franceses no litoral brasileiro, que estava em vias de gerar um sério problema diplomático.

 

Seja como for, faz todo sentido o brasileiro ter complexo de vira-latas, porque, de fato seu país não é sério. Mas porque ele, o próprio brasileiro, individual e coletivamente, não o é. Não pode ser séria uma nação cujo povo não é sério, vive de “jeitinho” em “jeitinho”, de gambiarras, de informalidades, de compadrios, de gozação.

 

Não sendo sérias as pessoas, não há como serem sérios o Estado, os governos, as instituições, as empresas (públicas ou privadas). Exemplos podem ser dados à exaustão. Conto aqui um caso ilustrativo, relacionado á CPFL Paulista, empresa que deixou de ser pública no contexto das privatizações ocorridas na economia brasileira no final do século XX, sob o argumento de que governos não são capazes de operar com seriedade na provisão da oferta de bens e serviços, ainda que se trate de serviços que a própria teoria econômica liberal considera de natureza pública por excelência.

 

No dia 2 de janeiro de 2025, a CPFL Paulista realizou a troca da fiação do bairro em que moro, na cidade de Piracicaba, provavelmente (não tenho certeza) porque a antiga estava aquém do necessário para fazer frente ao aumento da demanda por energia decorrente do crescimento do número de residências no local. Embora tardia, necessária e bem-vinda iniciativa.


Previamente a empresa enviou correspondência aos moradores, instruindo-os a desligarem seus equipamentos durante toda a tarde, a fim de prevenir possíveis acidentes por variações na corrente elétrica. Respeitosa providência. Não hesitei em acatar a sugestão. Mesmo assim, ficando apreensivo, porque no dia 21 de novembro de 2024, a CPFL havia feito a poda de árvores no bairro, deixando um rastro de destruição: fiação de telefonia e internet arrebentada, restos de galhos abandonados nas ruas e calçadas e, no meu caso, cerca elétrica arrebentada. Além disso, na tarde do dia 13 de novembro de 2024, a CPFL havia trocado todas as luminárias da minha rua (ótimo!),  sendo que, à noite, a da frente da minha casa não acendeu e, apesar de dois pedidos de solução protocolados, nada foi feito: no meu caso, melhor teria sido a empresa não ter feito as trocas. Pensava eu: como pode uma troca de lâmpada ser feita sem testar se a nova funciona ou não? A CPFL Paulista não é séria, concluía, então, com lastro empírico abundante. Nem poderia imaginar o que estaria por vir.

 

Não deu outra! Quando a equipe da CPFL Paulista religou a energia no dia 2 de janeiro de 2025, depois de trocados os fios, um procedimento equivocado provocou uma explosão. Todos os relês das luminárias da rua e de uma outra, logo abaixo, explodiram; minutos depois, moradores saíam nos respectivos portões, apavorados: numerosos eletrodomésticos haviam sido queimados. Pensei: Não é possível, eles não conseguem consertar nada sem danificar outra coisa!

 

Não só isso: a CPFL Paulista também tem muita dificuldade para consertar o que danifica. Se seus técnicos não são os melhores, seus gestores os imitam com maior grau de requinte. Basta ver como trataram o problema coletivo das luminárias apagadas na rua e os problemas individuais dos aparelhos elétricos e eletrodomésticos danificados pela imperícia na religação da energia supramencionada.

 

Seria de se esperar que pelos menos as luminárias queimadas (explodidas!) fossem imediatamente substituídas. Afinal, no ato mesmo da religação da energia, a equipe em ação pôde ver que tinha ocorrido o problema. Mas não... Foi necessário solicitar o conserto, depois de dias sem que nada fosse feito. Vários protocolos no sistema da empresa. Numa noite, vieram e consertaram uma lâmpada, das cinco danificadas; noutra passaram meia hora lidando num poste e foram embora sem nada resolver; na terceira, consertaram uma segunda lâmpada; duas continuam sem acender até a data em que este relato está sendo feito (12/03/2025).

 

Na minha residência, houve a queima de uma placa e motor que acionam o portão da garagem, apesar de o conjunto estar aterrado e haver um dispositivo protetor contra variação de corrente (ou seja, a “barbeiragem” cometida foi séria na religação da energia). Providenciei, portanto, a solicitação de ressarcimento de danos. No dia 10 de janeiro de 2025, recebi a visita de um vistoriador, vindo da cidade de São Paulo a Piracicaba (mais de 150 km). Ele gastou algo como 20-25 minutos inspecionando o aparelho, fez testes e me deixou um papelório, indicando providências. Entre elas, que obtivesse um laudo (e pensei, mas ele vistoriou o quê?) e dois orçamentos para o conserto. Depois recebi por e-mail nova papelada, e descobri que seriam necessários dois laudos e dois orçamentos e que o ressarcimento poderia ou não ser aprovado, depois das providências de minha parte.

 

Fui atrás. Descobri que muitos profissionais se recusam a fazer tais laudos e um ou outro me disse conhecer casos de negativa do ressarcimento (mas não acreditei nisso). Outros profissionais cobravam R$ 200 pelo laudo. Eu teria que gastar o dobro para submeter um papelório, com risco de negativa de ressarcimento e não sabia se, havendo este, cobriria também o custo dos laudos. Eu que, tranquilo dentro da minha casa, cumpridor dos meus deveres, dócil às instruções da CPFL quanto a cuidados por ocasião de uma troca de fiação,  a tive invadida pela imperícia da CPFL Paulista.

 

Recorri à ouvidoria da empresa. Esta respondeu, no último dia referente ao prazo máximo, apenas repetindo o que a área técnica já havia me dito, reforçando o prazo de 90 dias para envio dos documentos solicitados. Do ponto de vista estritamente legal, burocrático, tudo certo. Mas, visivelmente, tudo errado: a CPFL Paulista danificou meu equipamento, sabe que fez isso, um vistoriador constatou. Eu pedi apenas o pagamento do conjunto placa-motor, dispondo-me a arcar com o serviço de instalação, para facilitar o encaminhamento. A Ouvidoria simplesmente ignorou a situação. Limitou-se a repetir as instruções já fornecidas, como se não se tratasse de um caso explícito de dano provocado pela ação direta de seus técnicos...

 

Minha experiência anterior com caso parecido (envolvendo telefonia), indica a necessidade de recorrer à ANEEL. Com o necessário dispêndio de mais tempo, prevendo desgastes no processo, que pode também dar em nada... Ou seja, vou acabar solucionando o problema do portão com meus recursos. Eu, cliente da CPFL Paulista que nunca atrasou o pagamento de uma fatura de fornecimento em décadas e décadas. E que não posso optar por outro fornecedor porque se trata de monopólio (monopólio natural, como classificam os economistas, justificando a provisão pública e não particular; hoje particular, mas sob supervisão de agência reguladora).

 

Os técnicos da CPFL Paulista não são sérios; seus burocratas, muito menos; sua Ouvidoria, também não – só ratificou os procedimentos dos técnicos e burocratas. Será a ANEEL séria? Estou em dúvida se devo testar. Assim sendo, meu prejuízo financeiro é pouco frente ao prejuízo que diz respeito à falta de seriedade que coletivamente praticamos e, individualmente, muitos de nós sustentam quotidianamente, com seu comportamento, com suas atitudes e práticas. Sinto-me um vira-latas, mas não um cão: uma hiena, no meio de tantas outras, comendo carniça e sorrindo, ameaçadora.

 

Quem sabe um dia não haverá luz neste nosso caminho? Não esperem, porém, que seja da CPFL Paulista. Enquanto isso, seguimos sendo vira-latas à meia luz, desmazelados, sem qualquer ideia do que sejam respeito e capricho.


PS.: E eu, que além de acreditar que seria ressarcido pelos danos, receberia um polido pedido de desculpas pelos transtornos causados! Sou realmente um ser de outro planeta, ou de um tempo que não mais existe.

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