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  • Foto do escritorValdemir Pires

A bem-amada



Sobre A bem-amada, de Thomas HARDY, trad. de Luís Bueno e Patrícia Cardoso (São Paulo: Códex, 2003, 271 p.).

 

            Fazer amor não é difícil, depois que se aprende. E uma vez que se aprenda bem e em boa companhia, é algo que se deseja sempre, pois é um dos melhores temperos da vida, além da garantia de sua continuidade, em bom número dos casos. Amar, entretanto, exige um aprendizado complexo e, de fato, a amar jamais se aprende completamente: é arte escorregadia, fugitiva, cheia de armadilhas.

Bem observadas as letras, ou as intenções por trás delas, em algumas histórias, o mais das vezes é de amor que tratam os romances, a ponto de esta palavra ser utilizada, em português, como sinônimo de caso de amor.

A literatura romanesca é um repositório praticamente infinito de situações vividas entre pessoas que se buscam, se encontram, se desencontram e se reencontram, ou se perdem para sempre no afã de dar e receber amor. Pode-se dizer até mesmo que existe um manual do amor, constituído pelo conjunto das obras literárias que dele tratam. Manual, porém, praticamente inútil, uma vez que não existe possibilidade de ser totalmente lido por ninguém.

A bem-amada, de Thomas Hardy, é um livro de estatura respeitável nesse universo do romance; e não se confina à época em que foi escrito. Se ao lê-lo fica evidente seu lugar (Inglaterra) e seu momento (primeira publicação em fascículos, na Illustred London News, em 1892), além da cultura da qual emerge, nem por isso se torna datado, ultrapassado. Isso porque os problemas e dilemas do amor de que trata são universais e eternos, enquanto amar não perder a semelhança com esta “prática” desde sua “configuração”, digamos, burguesa e urbana.

Trata-se da paixão entre um homem (o escultor Jocelyn Pierston), Avice Caro, sua filha e sua neta. Sim, um homem que ama mulheres de três gerações! Mas, alto lá! Não se trata de nenhum Don Juan. De fato, enquanto este procura experimentar insaciavelmente o diferente em cada mulher, o herói de Hardy, pelo contrário, busca a Bem-amada, a única (a ideal), em cada uma daquelas por quem se apaixona (e não foram apenas as três garotas da ilha em que ele e elas nasceram).

A volubilidade de Pieston faz parte de sua natureza, amplificada pela sua condição de artista. Todo escultor tem para si, e procura objetivar em suas peças, um ideal de beleza – feminina no caso. Mas se na pedra o que vem a ser, fruto da arte, permanece, na carne, nas mãos da vida, o que hoje é, amanhã declina, até desaparecer, invariavelmente. Não pode a Bem-amada “habitar” uma única mulher durante toda sua vida. Ela pode – e tende a – migrar para outra. Se houver uma outra que à primeira se assemelhe (a filha), mais provável e tranquila a migração, se aquele que a persegue é fiel à Bem-amada e não aos “invólucros” que vai assumindo.

Como ficaria a situação se um homem que persegue a Bem-amada um dia se deparasse com uma mulher (atual “portadora” de seu fantasmagórico ideal de mulher) que, por sua vez, vive a mesma frenética busca, indo de flor em flor como a abelha? A esta pergunta a trama de A bem-amada oferece uma resposta. E o fim da história é surpreendente, além de comovente.

            Esta narrativa de um homem “ilhado” por mulheres e norteado por um farol (o seu ideal de mulher) não poderia ter por cenário melhor lugar (juntamente com alguns lugares de Londres) que uma península inglesa com seus penhascos, bancos de pedregulhos e velhos castelos, além de casas de pedra (ver mapa dos lugares de A bem-amada, na p. 263); sítio de onde são extraídas pedras utilizadas para construção e escultura. Pedras, pedras que simbolizam a permanência, mas que nas mãos dos homens se transformam em tantas e variadas coisas diferentes – assim como o amor, que se esculpe na alma.

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